O site Migalhas destacou decisão prolatada pelo juiz Cristiano Regis Cesar da Silva, da vara Única de Santa Quitéria/MA, que extinguiu ação declaratória de inexistência de débito contra banco em caso envolvendo empréstimo consignado. A decisão do magistrado serve de alerta para o uso predatório do Poder Judiciário que possa estar ocorrendo em comarcas no Estado do Maranhão. Leia aqui
Segundo o portal, de 2021 para cá, o juiz percebeu aumento desproporcional na distribuição de ações em desfavor de bancos, envolvendo consignados. Como exemplo, citou que o número de distribuição na comarca passou de 1.010, em 2018, para 2.660, em 2022. Também chamou a atenção o fato de que, com certa frequência, o mesmo aposentado figura como autor em várias ações da mesma natureza.
Diz ainda, que por este motivo, o magistrado designou audiências de instrução com escopo de aprimorar a produção de provas, no que foram percebidas algumas situações, como tendo apresentado endereços onde não residiam, e cujos autores não tinham conhecimento sobre o assunto tratado no processo, ou mesmo desconheciam a existência da ação.
“Ora, não seria concebível a esse juiz de direito observar indicativo de fraudes e/ou de aventuras jurídicas, bem como o ajuizamento de ações sem o consentimento das partes e permanecer inerte”, destacou Cristiano Regis.
Em sua decisão, o magistrado considerou salutar acrescentar à sentença considerações do contexto fático-jurídico enfrentado na comarca, destacando episódios que causam espécie” em matéria de ações contra bancos por empréstimos consignados a aposentados, e que ocorreram desde o ingresso do magistrado naquela comarca, em 2018.
Ele destacou que, ao se debruçar sobre o acervo da comarca, constatou elevado número de ações contra instituições financeiras envolvendo consignados. Pontuou que, à época, a maioria era formulada por advogada de sindicato, e que a procuradora utilizava a mesma petição para ajuizar ações em lote, com causas de pedir semelhantes.
“Tal cenário chamou atenção desse magistrado, notadamente quando algumas partes compareceram no balcão da secretaria judicial, desacompanhadas de advogado, para informar que jamais autorizaram o(a) causídico a ingressar com aquelas ações.”
O magistrado diz que passou, então, a utilizar seu poder de cautela, determinando que o advogado de todos encartasse procuração original, comando que não vinha sendo atendido, contexto que ensejava a extinção de feito sem resolução de mérito.
Posição da AMMA
Na avaliação do presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão (AMMA), juiz Holídice Barros, o direito de ação é direito indeclinável do cidadão na Constituição, no qual as lesões ou ameaças de direito não podem escapar à apreciação do Poder Judiciário.
“As pessoas têm o direito de terem suas violações examinadas pelo Poder Judiciário, mas é preciso separar o joio do trigo e verificar quais as ações que são efetivamente legítimas e as que são fabricadas na tentativa de fazer uso do Judiciário apenas para obter lucro de forma espúria, de forma ilegítima”, ressaltou Holídice
O desembargador Jamil Gedeon, coordenador do Nugepnac, também se manifestou acerca do assunto. Segundo ele, as demandas predatórias estão na mira do Poder Judiciário do Maranhão, que atuará por meio dos instrumentos cabíveis, como a instauração de IRDRs e IACs, além da elaboração de notas técnicas para orientar magistrados e demais atores do sistema de justiça com o propósito de gerenciar e racionalizar as demandas repetitivas “Iniciativas dos magistrados, neste sentido, sempre que pautadas na legalidade, são muito bem-vindas”, disse Gedeon.
Decisões semelhantes
O site Migalhas já vem levantando, há vários meses, decisões semelhantes à do juiz Cristiano Regis Cesar da Silva, do Maranhão, prolatadas por magistrados de outros estados. Todas relacionadas a possível litigância predatória contra instituições financeiras. O mesmo portal de notícias divulgou decisões do juiz Romulo Macedo Bastos, da vara única da comarca de Saloá, em Pernambuco, que extinguiu 1.476 processos ajuizados por advogados inscritos originalmente na OAB de Tocantins e com inscrição suplementar de outras unidades federativas.
Nas decisões, o magistrado levou em consideração diversos indícios de ajuizamento irregular de processos em massa na comarca e de má-fé processual, através de petições padronizadas e sem documentação suficiente; argumentos nada verossímeis, artificiais e recheados de teses genéricas; ilegalidade na captação de clientela; utilização indevida dos serviços judiciais; abuso da gratuidade da justiça e do direito de litigar; irregularidades na confecção de procuração e demais documentos; inexistência de litígio real entre as partes e vestígios de apropriação indébita de valores pelo advogado.
Em outra reportagem, o site Migalhas destacou decisão da juíza de Direito Fernanda Martins Perpetuo de Lima Vazquez, da 1ª vara Criminal de Barretos/SP, que condenou cinco pessoas pelos crimes de associação criminosa, falsidade ideológica e estelionato, praticados entre abril e setembro de 2018.
No caso, os advogados fraudavam contratos de cartão de crédito consignado de idosos e depois os procuravam oferecendo o ingresso de ações contra as instituições bancárias.
Advocacia predatória
Em maio deste ano, o site Conjur também publicou ampla matéria com o título “Advocacia predatória põe em risco atendimento jurídico à sociedade”, no qual destaca as consequências das atividades de escritórios ou advogados no uso abusivo do Judiciário por meio de demandas predatórias que atingem diretamente a sociedade.
De acordo com o Conjur, esta situação tem preocupado a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional São Paulo (OAB-SP).
A advocacia predatória é configurada por ações de massa, em petições padronizadas, objetivando vantagens indevidas. As alegações são, em geral, genéricas, sem fundamentação idônea. Quando são identificadas, percebe-se, em grande parte, o uso de pessoas vulneráveis no polo ativo dos processos.
O portal de notícias informa que de 2022 até maio deste ano, o Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede), da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, recebeu 735 comunicações de magistrados relacionadas a litigância predatória verificadas em processos que correm no estado de São Paulo.
Conforme levantamentos realizados pelo Numopede, a partir de casos em que efetivamente reconhecida a ocorrência de litigância predatória pelo juiz da causa, é possível estimar que a litigância predatória gera uma movimentação entre 300 mil a 600 mil processos, a um custo que ultrapassa R$ 1 bilhão por ano, apenas no Judiciário Paulista.
Crime contra a sociedade
Em setembro de 2022, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de São Paulo deu cumprimento a cinco mandados de busca e apreensão no âmbito da Operação Predador, que investigou uma banca de advogados da cidade de Itirapina, identificada como um forte núcleo de advocacia predatória.
Segundo o que foi apurado, os profissionais, por vários anos, receptaram dados sigilosos de grandes instituições, sobretudo financeiras, e passaram a formar parcerias com escritórios do Brasil inteiro, compartilhando tais listas sigilosas, a fim de que o escritório parceiro assediasse os clientes com a promessa de recebimento de quantia proveniente de ação judicial, causando imenso prejuízo não só ao Poder Judiciário.