“São lícitas as sucessivas renovações de interceptações telefônicas desde que: i) verificados os requisitos do artigo 2º da Lei 9.296/1996; e ii) demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto”.
Essa tese de repercussão geral foi aprovada por unanimidade pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (17/3). O entendimento foi proposto pelo ministro Alexandre de Moraes.
O RE 625.263, objeto do julgamento do STF, foi interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que, ao conceder Habeas Corpus, anulou todas as provas obtidas a partir de escutas telefônicas que duraram mais de dois anos, ininterruptamente, em investigação criminal realizada no Paraná.
O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, votou nesta quarta (16/3) para negar o recurso e manter a anulação das interceptações telefônicas. Conforme o magistrado, “as prorrogações são parcamente fundamentadas, e o resultado das investigações é inconsistente”.
Além disso, Gilmar propôs tese mais ampla, segundo a qual a prorrogação da interceptação telefônica também deveria levar em conta o material colhido nos períodos anteriores. E a decisão que autoriza a renovação da medida deveria levar em consideração as informações já coletadas e os resultados esperados. O entendimento foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski.
Porém, prevaleceu a divergência aberta por Alexandre de Moraes e seguida pelos ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, André Mendonça e Luiz Fux.
Alexandre votou na sessão de quarta para aceitar o recurso no caso concreto para declarar a validade das interceptações telefônicas e de todas as provas delas decorrentes. Isso por entender que foi demonstrada a necessidade da medida, constantemente renovada, sem abuso ou desproporcionalidade.
Quanto à tese proposta pelo relator, Alexandre manifestou preocupação com alguns pontos, especialmente quanto à exigência de se demonstrar que foram colhidos dados relevantes nos 30 dias anteriores para renovação da medida.
“Só em filme que se pega algo no primeiro fim de semana de interceptação. São meses, às vezes anos de interceptação para se obter resultados. O prazo inicial da lei é diminuto (15 dias). É um trabalho detalhado. Não dá para exigir que, a cada 30 dias, se mostre o que se coletou. A continuidade se dá porque, apesar da base probatória que permitiu ao juiz deferir a investigação, é um meio de prova dificílimo. Retroativamente, isso vai anular condenações em grandes operações de tráfico de drogas e corrupção. Nas grandes operações, o prazo de 30 dias não é excessivo”, declarou ele, argumentando que se a necessidade da escuta foi demonstrada desde o início, não é necessário reapresentá-la a cada renovação.
Na sessão desta quinta, Edson Fachin argumentou que a Lei das Interceptações Telefônicas (Lei 9.296/1996) não exige fundamentação extensa para a renovação da medida, nem identificação segura dos resultados obtidos no período anterior.
Nessa mesma linha, Rosa Weber avaliou que, dependendo da complexidade da investigação, 15 dias é um prazo curto para obter resultados. Assim, não se deve exigir a apresentação deles para a prorrogação da escuta.
Cármen Lúcia avaliou que, no caso concreto, as decisões que autorizaram a continuidade dos grampos foram devidamente justificadas.
André Mendonça, que havia seguido o voto de Gilmar Mendes na quarta, mudou de posição na quinta e votou para aceitar o recurso. Ele examinou todas as decisões de prorrogação da interceptação telefônica no caso e as considerou suficientemente motivadas.
O presidente da corte, Luiz Fux, opinou que, no caso concreto, o juiz motivou todas as renovações e ainda vetou a prorrogação de algumas escutas, o que reforça a ideia de que ele as fundamentou de maneira adequada. “Assim, seria uma iniquidade anular um processo inteiro”, declarou ele.
Único a seguir o voto do relator nesta quinta, Ricardo Lewandowski entendeu que as renovações foram genéricas. Dessa maneira, as provas obtidas nas interceptações são ilícitas e devem ser excluídas do processo.
Com a prevalência do voto divergente, Alexandre de Moraes apresentou proposta de tese de repercussão geral mais sucinta do que a de Gilmar Mendes, a qual foi aprovada por unanimidade.
Caso concreto
Na decisão que deu origem ao recurso do MPF, o STJ apontou “evidente violação do princípio (constitucional) da razoabilidade”, considerou ilícitas as provas e determinou que os autos retornassem à primeira instância (2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Paraná) para que fossem excluídas da denúncia as referências a tais provas.
No Supremo, o MPF afirmou que as escutas foram realizadas no contexto de uma ampla investigação conhecida como “caso Sundown”, que apurou a prática de crimes graves, como delitos contra o Sistema Financeiro Nacional, corrupção, descaminho, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Ainda segundo o MPF, a decisão do STJ “abriu espaço” para a invalidação de centenas de operações policiais que investigaram organizações criminosas e delitos complexos em todo o território brasileiro por meio de escutas que tenham durado mais de 30 dias.
No recurso, o MPF pediu a anulação da decisão do STJ e o reconhecimento da validade das interceptações telefônicas e das provas delas decorrentes, no que foi bem-sucedido.