Conjur
Quando o autor do fato e/ou a vítima não comparecem à audiência preliminar do Juizado Especial Criminal (Jecrim), depois de regularmente compromissados, a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995[1], em seu artigo 71, é expressa na resolução do impasse, ao dispor: “na falta do comparecimento de qualquer dos envolvidos, a Secretaria providenciará sua intimação e, se for o caso, a do responsável civil, na forma dos artigos 67 e 68 desta Lei”.
O problema ora tratado — e que, de fato, gera cisão entre os operadores do Jecrim — diz respeito à ausência dos envolvidos, após a aplicação do citado artigo 71, nas hipóteses em que a intimação expedida foi realizada por meio diverso do mandado físico.
Em face dessa realidade processual, impõe-se a seguinte pergunta: ante a falta de um dos envolvidos (ou de ambos) na segunda tentativa de realização de audiência preliminar[2] (artigos 72 a 76), posterior ao intento da intimação “não-convencional” do(s) faltante(s) — isto é, por telefone, por WhatsApp ou congêneres, ou, ainda, por e-mail —, como formalizar a ata daquela audiência e avançar no procedimento?
Ideal é que já no próprio termo de compromisso de comparecimento, previsto no artigo 69, parágrafo único, os envolvidos autorizem suas intimações por meios não-convencionais, fazendo-o em homenagem à celeridade e à informalidade, destacadas no artigo 62. Porém, é comum a ausência de formulário de adesão referente àquelas intimações, assinado pelo potencial destinatário, no termo circunstanciado de ocorrência (TCO).
CNJ e Fonejef
Concedendo interpretação evolutiva às normas processuais pertinentes ao tema, sem declarar a obrigatoriedade do uso dos meios eletrônicos às intimações judiciais, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), desde 2017, considera válidas as intimações feitas por WhatsApp em todo o Judiciário [3].
No mesmo ano, na reunião de São Luís (MA), o XIV Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais (Fonajef) aprovou, entre outros, os Enunciados 193 a 196, e, quanto a estes, o primeiro estabelece:
“para a validade das intimações por WhatsApp ou congêneres, caso não haja prévia anuência da parte ou advogado, faz-se necessário certificar nos autos a visualização da mensagem pelo destinatário, sendo suficiente o recibo de leitura, ou recebimento de resposta à mensagem enviada” [4].
Em 2018, no 43º encontro de Macapá (AP), o Fonaje (Fórum Nacional de Juizados Especiais) publicou o Enunciado 129, com o seguinte teor:
“serão válidas as intimações por telefone, e-mail, WhatsApp ou outro aplicativo de envio de mensagens eletrônicas, sem prejuízo das formas convencionais estabelecidas em lei, sempre quando precedida de adesão expressa ao sistema por parte do interessado, em qualquer fase da investigação ou mesmo do procedimento” [5].
Portanto, até aqui o que se tem é:
- a) o CNJ permite o uso de meios eletrônicos às intimações, silenciando sobre termo de adesão subscrito pelo destinatário do chamamento judicial;
- b) o Fonajef admite o emprego dessa mesma tecnologia, para os mesmos fins, dispensando prévio consentimento do intimando;
- c) o Fonaje aceita os chamamentos judiciais por instrumentos não-convencionais, mas impõe anterior adesão do intimando. Nada obstante, há também os atos normativos editados pelos Tribunais de Justiça dos diversos Estados regulamentando a matéria, sem coincidência em seus termos.
Possíveis situações
Isso posto, cabe distinguir. Primeiro, o envolvido ausente na audiência preliminar seguinte ao termo de compromisso assinado perante a autoridade policial, mas que, depois, atendeu ao chamado do Jecrim, realizado por mandado não-convencional e compareceu à segunda audiência (independentemente de ter consentido em ser comunicado por meios não-convencionais de intimação).
Em segundo lugar, o envolvido ausente não aderiu às intimações por meios não-convencionais, anteriormente ao ato para o qual assim foi intimado e novamente faltou à audiência preliminar, havendo incerteza quanto à ciência do referido mandado.
A terceira hipótese subdivide-se em múltiplas possibilidades, pois nela o envolvido ausente formalizou consentimento quanto a sua intimação por meio não-convencional, anteriormente à segunda audiência preliminar em que a sua falta foi mais uma vez constatada, muito embora:
- 3.1) não tenha recebido o referido mandado, v.g., por mudança de e-mail e/ou de número de telefone não comunicados ao JECrim;
- 3.2) não tenha recebido o referido mandado por defeito de expedição ou do funcionamento dos meios de operação;
- 3.3) tenha recebido a comunicação eletrônica, mas há dúvida quanto ao efetivo conhecimento do teor da intimação (por falta de resposta formal ao chamado). Por último, cabe abordar o caso da falta de adesão do envolvido ausente para ser intimado por meios não-convencionais e de sua reiterada ausência na audiência preliminar, apesar da certeza do conhecimento do conteúdo do mandado (em razão de efetiva resposta à intimação eletrônica).
Próximos passos
A primeira hipótese não traz dificuldades, não importando se no TCO o envolvido, agora presente na segunda audiência, houvera consentido com suas intimações por outros meios além do mandado de papel. Trata-se, a rigor, de um falso problema pois, no microssistema processual do Jecrim, o princípio da instrumentalidade das formas vige à plena potência, seja em razão do critério da informalidade seja pela expressa dicção do artigo 65, tanto em seu caput quanto em seu § 1º.
O desfecho da segunda hipótese é igualmente simples, porquanto simétrico e invertido em relação à primeira: como resposta, cabe a renovação da tentativa de chamamento processual por qualquer meio hábil de comunicação, devendo a audiência preliminar, na qual foi constatada a falta, ser então adiada.
A terceira hipótese, em quaisquer de seus desdobramentos, possui este núcleo comum: o envolvido ausente à segunda tentativa de audiência preliminar consentiu com os meios alternativos de chamamento processual, mas não há como certificar que ele tenha acessado referido mandado (isto é, telefonema não atendido, e-mail sem resposta ou, ainda, WhatsApp desabilitado para aviso gráfico de comprovação de leitura).
A resolução da hipótese deve contemplar seus múltiplos supostos, assim: se o envolvido ausente, antes da segunda audiência na qual sua falta foi mais uma vez constatada, formalizou consentimento quanto ao seu chamamento não-convencional, e não o recebeu por alteração de e-mail e/ou de número de telefone não comunicados ao Jecrim, o ato judicial e o feito seguem normalmente (cf. 3.1), pois foi o ausente quem descumpriu o ônus de se manter atrelado às possibilidades de chamamento da Justiça.
Agora, se o ausente não recebeu aquele mandado, por deformidade na sua expedição ou por defeito de funcionamento das operadoras de telefonia ou de internet, o caso será de suspender o ato judicial e renovar o chamamento processual (cf. 3.2), pois aqui o ausente não concorreu à inviabilidade da audiência preliminar.
A mesma solução se aplica quando, apesar da certeza de recebimento da comunicação eletrônica não seja possível afirmar tenha o envolvido ausente tomado conhecimento do conteúdo do chamamento, pois em casos assim, podem ter ocorrido entraves de várias naturezas alheios à sua vontade (por exemplo, extravio do dispositivo após o recebimento da mensagem eletrônica, mas antes de sua leitura; idem, em deslocamento para área sem cobertura de sinal de internet para acesso a e-mail; etc. — cf. 3.3): aqui a cautela deve imperar, em prol da segurança jurídica.
Por fim, no caso em que o envolvido faltante às audiências preliminares não aderiu à intimação por meios não-convencionais, mas há certeza de que tomou efetivo conhecimento do chamado da Secretaria do Jecrim (porquanto, por exemplo, respondeu ao e-mail expedido, no qual constou pedido de confirmação de recebimento e de legibilidade ou houve as devidas sinalizações gráficas de entrega, de recebimento e de leitura do WhatsApp ou, ainda, houve a certificação do telefonema realizado, certamente atendido e bem compreendido pelo seu devido destinatário).
Adiar o ato frustrado pela ausência do referido envolvido não deixa de ser tentador. Poder-se-ia argumentar, para tanto, que alguém atuou em seu whatsApp, que terceiro atendeu telefonema se passando pelo real destinatário ou que o próprio envolvido não levou a sério chamamento recebido, supondo ser um trote, um golpe ou um vírus. As primeiras escusas não intimidam porquanto desalinhadas ao que de regra ocorre no plano da realidade; a última, essa talvez, soa mais séria — embora vencível em face do conteúdo normativo dos dispositivos ora manejados.
Uso dos meios eletrônicos pelo Jecrim
A utilização de meios mais céleres e econômicos de chamamento ao processo, diversos do mandado físico, segundo pensamos, pode sim ser adotada no Jecrim independentemente do consentimento do envolvido no fato penal em tese relevante.
A fundamentação necessária à validade da assertiva é dedutível dos artigos 65, caput e seus §§ 1.º e 2.º e 67, caput. De início, vale destacar que em nenhum desses dispositivos (sem contar o artigo 68, em que o caso é o mesmo) há menção expressa de que o mandado deva ser obrigatoriamente de papel e que deva ser entregue por oficial de justiça.
Celeridade e a informalidade
Além disso, o sistema próprio de nulidades do Jecrim prevê a decretação de vício como excepcional (cf. artigo 65, caput e § 1º), pois entre os critérios norteadores de aplicação da Lei nº 9.099/1995 constam a celeridade e a informalidade, as quais restariam abalados fosse de outro modo (cf. artigo 62).
Em terceiro lugar, ainda no artigo 65, cabe lembrar o seu § 2º, que dita: “a prática de atos processuais em outras comarcas poderá ser solicitada por qualquer meio hábil de comunicação”; ora, se mesmo fora do distrito da culpa (artigo 63) a intimação pode se dar por meio diverso do mandado físico, a fortiori isso também é possível no local onde o feito deva ser processado.
Depois, há o artigo 67, caput (entrelaçado ao artigo 71, por remissão expressa constante nesse último), cujo teor determina (sem destaques no original): “a intimação far-se-á por correspondência, com aviso de recebimento pessoal ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado, ou, sendo necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória, ou ainda por qualquer meio idôneo de comunicação”.
Cinco pontos
A exegese dessa norma revela cinco pontos merecedores de destaque:
- 1) a regra é a intimação por correspondência;
- 2) somente para o caso de pessoas jurídicas envolvidas em infração penal a entrega da intimação deve se dar por oficial de Justiça (apenas aqui há inversão da regra);
- 3) o oficial de Justiça somente atua quando necessário, podendo agir independentemente de mandado;
- 4) o uso de qualquer meio de comunicação hábil ao chamamento do envolvido é perfeitamente admissível, como já o era, aliás, desde a edição da Lei nº 9.099/1995 (v.g., quando já existiam o fax, o telegrama, o bip, o telégrafo, o rádio-amador para os locais distantes da sede da Comarca: todos esses eram menos eficientes do que os meios contemporâneos de comunicação, cuja transmissão e recebimento se dão quase instantaneamente, e mesmo assim, quanto àquelas formas de intimação, jamais foi cogitada a necessidade de prévia adesão do envolvido, embora elas fossem menos democratizadas e funcionassem de maneira mais precária do ponto de vista tecnológico);
- 5) “mandado eletrônico” não deixa de ser, essencialmente, “mandado”: aqui também o predicado não muda a essência da substância.
A resposta exige dúplice raciocínio: um que analisa o argumento de que a intimação, devida depois da ausência à audiência preliminar por descumprimento ao termo de comparecimento (artigo 71), não pode ser feita senão por mandado físico entregue por oficial de justiça, além de outro complementar, em que se examina a alegação de que a referida intimação, feita por meios eletrônicos, não é válida quando realizada sem prévio consentimento do envolvido ausente à audiência preliminar. Posto, então, o problema inicial com todo seu vigor, enfrentemo-lo, enfim.
Primeiro, serve de fundamento à refutação da pretensa nulidade o expresso teor do artigo 67 (especialmente se combinado com o § 2º do artigo 65). Qualquer meio hábil de comunicação, independentemente de expedição de mandado, presta-se às intimações a serem realizadas no microssistema do Jecrim, sobretudo para os chamamentos processuais efetuados na mesma comarca em que ocorrerá o ato judicial.
Conclusão
Em resumo, a parte final do citado artigo 67 é inequívoca e ao ser associada ao argumento a fortiori, acima explicitado (inserido no contexto do regime de nulidades, sempre excepcionais no âmbito do Jecrim), resulta na valia da tese ora esposada.
Em arremate, a base suficiente ao afastamento da cogitada nulidade está alastrada nos critérios norteadores do Jecrim (cf. artigo 62, notadamente: informalidade, celeridade e simplicidade) e nas regras do sistema de nulidades da Lei nº 9.099/1995 (a presunção de validade dos atos praticados, além da desconsideração da eiva processual quando os atos atingirem seus objetivos, desde que sem prejuízo à parte).
Portanto, se a intimação expedida por meio eletrônico houver sido certamente recebida (dado a ser aferido pela notificação de leitura do whatsApp ou pela resposta ao e-mail), mesmo que tais meios não tenham sido aderidos pelo intimando, ainda assim o respectivo ato judicial subsequente será presumivelmente válido, independentemente da presença da pessoa chamada à sua realização.
A anulação de referido ato judicial é possível: não pelo meio da intimação utilizado — isto é, mediante instrumento não-convencional — mas, eventualmente, a partir da demonstração de prejuízo processual concreto, de outra natureza, concernente à sua prática.
[1] Todos os dispositivos normativos citados neste artigo dizem respeito à Lei nº 9.099/1995.
[2]Diz-se de duas ausências consecutivas à audiência preliminar porque se o envolvido compareceu naquela realizada em seguida ao termo de compromisso do art.69, parágrafo único, da Lei nº 9.099/1995 e o ato judicial não pôde se realizar, aplica-se o art. 70 da mesma Lei: a segunda será designada em data próxima, da qual já sairá ciente.
[3]O CNJ aprovou o uso do aplicativo WhatsApp como ferramenta para intimações judiciais, no Procedimento de Controle Administrativo (PCA) 0003251-94.2016.2.00.0000; cf.