Fonte: Conjur

A quantidade e a natureza das drogas apreendidas com um réu por tráfico podem ser usadas para modular a causa de diminuição prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006, desde que não tenham sido consideradas para aumentar a pena-base.

Quantidade de drogas basta para afastar redutor do tráfico privilegiado, desde que não usada para aumentar a pena-base
macor

Esse é o novo entendimento da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, fixado em julgamento de Habeas Corpus na tarde desta quarta-feira (27/4). A posição marca uma redefinição dos parâmetros de dosimetria da pena, feita pelo colegiado.

O tema do uso da quantidade e da natureza das drogas tem sido de idas e vindas na jurisprudência brasileira, de maneira geral muito por causa de falta de especificações no texto da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).

Quando alguém é condenado por tráfico, o artigo 42 indica que sejam consideradas “com preponderância” a natureza e a quantidade das drogas apreendidas na fixação da pena-base, medida feita na primeira fase da dosimetria.

A segunda fase marca a análise das circunstâncias que podem atenuar ou agravar a causa, previstas nos artigos 61 e 62 do Código Penal. E na terceira fase incidem as causas de aumento ou diminuição de pena. Entre elas está o chamado “tráfico privilegiado”.

Trata-se de redutor de pena previsto no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas e que permite ao juiz diminuir de um sexto a dois terços a pena daqueles considerados pequenos traficantes, desde que sejam primários, de bons antecedentes e não integrem organização criminosa.

Se o juiz usa a quantidade de drogas para aumentar a pena-base na primeira fase da dosimetria e também para impedir a aplicação do redutor de pena — pois só teria acesso a muito entorpecente quem integra organização criminosa —, ocorre o bis in idem, quando um mesmo fato leva a duas punições para o réu, medida a ser evitada.

Adequação da jurisprudência foi proposta em voto do ministro Ribeiro Dantas
Sergio Amaral

Qual caminho seguir?
Em 2014, o Supremo Tribunal Federal definiu, sob o sistema da repercussão geral, que a natureza e a quantidade de entorpecente apreendido em condenações por tráfico de drogas devem ser consideradas em apenas uma das fases da dosimetria da pena.

Essa tese passou a ser interpretada de maneira dispersa no Judiciário brasileiro — inclusive no STJ, com julgados em sentidos diferentes ao longo dos anos.

Em junho de 2021, a 3ª Seção chegou a um esperado consenso, em acórdão relatado pelo ministro João Otávio de Noronha. Fixou que a natureza e a quantidade de drogas são fatores a serem necessariamente considerados no estabelecimento da pena-base do delito de tráfico de drogas. E que seu uso na terceira fase da dosimetria, para afastar o redutor do chamado tráfico privilegiado, só pode ocorrer quando for conjugado com outras circunstâncias, que, juntas, caracterizam a dedicação do agente à atividade criminosa.

Naquele julgamento, os próprios ministros já identificaram um problema: réus que tenham sido presos com quantidades altíssimas de drogas teriam a pena-base aumentada, mas depois fatalmente seriam beneficiados com aplicação do tráfico privilegiado na fração máxima, caso não houvesse nenhum outro impeditivo à sua aplicação.

A consequência é que, meros quatro meses mais tarde, a tese passou a ser mitigada pelo próprio STJ. Na 5ª Turma, o ministro Ribeiro Dantas propôs a revisão desse entendimento no HC 685.184. Depois, o ministro Joel Ilan Paciornik fez coro em voto-vista no REsp 1.985.297.

Para ministro Noronha, quantidade de droga só pode ser usada na 1ª fase da dosimetria
Gláucio Dettmar/Agência CNJ

Para esclarecer de vez
Nesta quarta-feira, o ministro Ribeiro Dantas lançou nova tese: é possível a valoração da quantidade e da natureza da droga apreendida tanto para fixação da pena-base quanto para modulação da causa de diminuição de pena do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas. No entanto, cabe ao juiz escolher uma ou outra possibilidade.

A maioria acompanhou a proposta. O desembargador convocado Jesuíno Rissato destacou que a lei impõe a escolha da fração para redução de pena, mas deixa de informar qual critério deve ser usado. “A jurisprudência e o juiz podem estabelecer os critérios. Penso que a quantidade poderia servir como um deles, além de outros”, disse.

“Não vejo empecilho em usar quantidade de drogas como critério para modular a fração de redução de pena. Senão vamos tratar situações absolutamente diferentes de forma idêntica: aplicar o mesmo redutor de dois terços a quem foi pego com 10 gramas ou com 500 quilos”, concordou o ministro Sebastião Reis Júnior.

Para o ministro Schietti, essa é a posição mais razoável. O voto do relator foi acompanhado também pelos ministros Joel Ilan Paciornik e Laurita Vaz.

Voto vencido
Ficou vencido o ministro João Otávio de Noronha, que abriu a divergência ao propor a manutenção da tese firmada pela 3ª Seção apenas seis meses atrás. Para ele, natureza e quantidade de drogas devem ser consideradas com preponderância na fixação da pena base.

Reis Júnior defende uso de quantidade de droga para modular redução de pena
Sergio Amaral

“Senão, qual o sentido do termo ‘preponderante’ no artigo 42 da Lei de Drogas? É na primeira fase que quantidade e natureza de drogas têm que ser consideradas para fixar a pena. E aí não pode mais modular, senão vamos cair no bis in idem“, disse ele.

Essa posição também tem um componente sistêmico. Quando alguém é preso com grande volume de drogas, o julgador tende a impor uma pena mais alta. Permitir que indivíduos primários e sem relações com organizações criminosas não tenham suas penas reduzidas — além do regime de cumprimento de penas suavizado — pode jogá-los para as facções que dominam as prisões.

“Nesses casos de trafico privilegiado, o rigor judicial no combate às drogas torna o efeito do remédio mais deletério que a própria doença. O papel do Judiciário na luta contra as drogas é de garantidor dos direitos individuais, da racionalidade e da coerência no sistema penal”, afirmou o ministro Noronha. Ele foi acompanhado pelo desembargador convocado Olindo Menezes.

Caso concreto
O caso trata de réu primário, de bons antecedentes e sem ligação com organizações criminosas, que foi pego transportando quase 150 quilos de maconha entre dois estados. O Tribunal de Justiça de São Paulo afastou a aplicação do redutor de pena por entender que só um verdadeiro traficante teria acesso a essa quantidade de entorpecente.

No STJ, a decisão final da 3ª Seção determinou a aplicação do tráfico privilegiado, mas na fração mínima de ums exto. A pena restou em quatro anos, dez meses e dez dias de reclusão, e o regime inicial foi abrandado para o semiaberto.

HC 725.534