Fonte: Conjur

A definição do crime de cartel como instantâneo ou permanente depende da análise do caso concreto. Há hipóteses em que a conduta é praticada uma vez. Em outras, o ilícito é renovado e reforçado com o objetivo de torna-lo permanente. Cabe ao julgador fazer essa análise.

No caso julgado, crime se protraiu no tempo porque foram necessários novos acordos para que o cartel continuasse ativo
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Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça desproveu recurso especial ajuizado por réus que, acusados do crime contra a ordem econômica, buscavam o reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição.

Os réus foram acusados de prática de cartel no mercado de resinas, por meio de acordos anticompetitivos iniciados em 2004 e cessados somente em 2014.

Para a defesa, o delito é instantâneo. Ele se consuma no momento da formação do acordo, ajuste ou aliança, com a intenção de obter a fixação artificial de preços, controle regionalizado do mercado ou o controle de rede de distribuição ou de fornecedores. Foi consumado, portanto, em 2004.

A sentença adotou essa tese, ao rejeitar a denúncia e julgar extinta a punibilidade pela prescrição. Na apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o crime é eventualmente permanente, porque a vontade dos agentes e a consumação do crime se prolongaram no tempo, haja a vista a necessidade de formação de sucessivos acordos anticompetitivos protraídos ano após ano.

Relator na 5ª Turma, o ministro Joel Ilan Paciornik explicou que o crime de cartel é formal: consuma-se com a simples formação de um acordo visando à dominação do mercado ou à eliminação da concorrência. Não há consenso na doutrina, no entanto, sobre o momento de sua consumação.

Isso porque há casos em que basta um acordo, sem mais ajustes ou reuniões, para que o crime seja praticado. Em outros, como o mercado passa por mudanças naturais da economia, é preciso novos acordos e deliberações que o cartel possa se perpetuar no tempo.

“Desse modo, a classificação automática do crime de formação de cartel como instantâneo ou permanente denota análise prematura sem a investigação pormenorizada dos casos postos a debate”, concluiu.

Para o ministro Joel Ilan Paciornik, definição do crime de cartel como eventualmente permanente é errônea
STJ

Definição doutrinária
O voto do relator passou pela definição doutrinária sobre o tema. Nesse ponto, crime instanêneo é aquele que se consuma em momento determinado e se esgota com a ocorrência do resultado, sem prolongação.

Crime permanente, por sua vez, é aquele em que a execução se protrai no tempo e se mantém ou cessa por vontade do agente.

Já o crime eventualmente permanente é o delito instantâneo, como regra, mas que, em caráter excepcional, pode realizar-se de modo a lesionar o bem jurídico de maneira permanente. Um exemplo é o furto de energia.

“Sendo assim, filio-me à posição de que devem ser perquiridos os casos concretos de forma a definir se o crime de cartel em questão é instantâneo ou permanente, sendo, ao meu sentir, a nomenclatura “eventualmente permanente” equivocada”, analisou o ministro Joel Ilan Paciornik.

“Se o agente dispõe de poder para cessar ou dar continuidade à conduta delitiva, tornando o ato único ou ampliando seu espectro, não pode a ação ser considerada uma só e ao mesmo tempo ter o efeito de lesionar o bem jurídico de forma permanente, tal como se dá no crime instantâneo de efeito permanente, pois neste caso a vontade do agente é desconsiderada”, explicou.

Caso concreto
No caso concreto, a conclusão do TJ-SP foi mantida – apesar de afastado o caráter eventualmente permanente -, porque o acórdão indicou a celebração sucessiva de acordos econômicos anticompetitivos entre os agentes. Assim, o crime de formação de cartel no mercado de resinas fez-se permanente até 2014.

“Impende ressaltar que não só a ação inicial se prolongou no tempo, mas também se renovou no decorrer dos anos, a partir dos encontros firmados pelo alto escalão e operacional das empresas, ou, ainda, pelas trocas de informações comercialmente sensíveis entre elas no transcurso do tempo”, ressaltou o relator.

Com isso, o termo inicial para contagem da prescrição é a data da última conduta praticada pelos agentes, em 2014. Portanto, afastou-se a extinção da punibilidade, e a ação penal seguirá seu rumo.

AREsp 1.800.334