Fonte: Conjur
A interpretação sistemática e teleológica da norma do Estatuto da Criança e do Adolescente que trata a adoção como irrevogável deve levar à conclusão de que ela, na verdade, pode ser afastada sempre que verificar-se que a manutenção da medida não apresenta mais vantagens para o adotado e tampouco é apta a satisfazer os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança.
Com esse entendimento e por unanimidade, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso ajuizado por pais adotivos para rescindir a sentença de adoção e determinar a retificação do registro civil do adotado, para que volte a constar o nome anteriormente usado por ele.
A decisão foi unânime, conforme voto da relatora, ministra Nancy Andrighi. Votaram com ela os ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.
Com isso, a 3ª Turma confirma jurisprudência segundo a qual processo de adoção pode ser desconstituído mediante ação rescisória, tendo em vista a sua natureza constitutiva e o fato de sujeitar-se à coisa julgada material.
O colegiado deu interpretação ao parágrafo 1º do artigo 39 do ECA, que define expressamente a adoção como “medida excepcional e irrevogável”. A relatora destacou que a revogação da adoção revela-se, em princípio, ilógica: depende de extenso e rigoroso procedimento para se chegar ao deferimento da colocação em família substituta. Mas não pode ser absoluta.
Arrependimento e fuga
Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi definiu o caso concreto como sui generis [único de seu gênero]. Os adotantes mantinham apadrinhamento afetivo com o adolescente e requereram a adoção em novembro de 2014, quando ele tinha 13 anos. No mês seguinte, receberam a guarda provisória.
Na sequência, Relatório Psicológico comprovou que os direitos fundamentais do menor estariam preservados e que não haveria óbice à concretização da adoção. Foi deferida a adoção, e a sentença transitou em julgado em junho de 2015.
Foi só depois disso que os pais adotantes começaram a perceber que o menor não tinha vontade de realmente ser filho deles. Em 2016, ele fugiu de casa em duas oportunidades. Disse que não queria mais ser adotado, nem estudar.
Quando os pais ajuizaram a rescisória, o Ministério Público estadual foi favorável à pretensão. Paralelamente, o órgão ajuizou medida de proteção combinada com manutenção de acolhimento institucional. Nesse processo, foi produzido relatório em que o menor admite que aceitou a adoção porque a instituição em que morava estava prestes a fechar.
Nas instâncias ordinárias, a ação rescisória foi julgada improcedente por entender que a adoção seria medida irrevogável.
O importante é a criança
A ministra Nancy Andrighi apontou que a norma do parágrafo 1º do artigo 39 do ECA possui nítida finalidade protetiva, criada para resguardar os direitos fundamentais dos adotandos.
“Ocorre, no entanto, que, em determinadas hipóteses excepcionais, não se resguarda o melhor interesse da criança e do adolescente por meio da manutenção da adoção, o que põe em cheque a natureza absoluta da vedação à revogação da medida, conduzindo o intérprete a perquirir se não haveria espaço para flexibilizar a regra restritiva”, relevou.
Por isso, a interpretação sistemática e teleológica do ECA é capaz de afastar a irrevogabilidade da adoção sempre que, no caso concreto, verificar-se que a manutenção da medida não apresenta reais vantagens para o adotado, tampouco é apta a satisfazer os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente.
Ela ainda destacou que o caso não trata de estimular a revogabilidade das adoções, já que situações como a dos autos demonstram que nem sempre as presunções estabelecidas dogmaticamente, suportam o crivo da realidade.
“Em caráter excepcional, é dado ao julgador demover entraves legais à plena aplicação do direito e à tutela da dignidade da pessoa humana. A realidade se impõe”, concluiu a relatora.