Por Paulo Brasil Menezes / Site Conjur
Muitos têm sido os debates acerca das liberdades de expressão e de informação nos tempos atuais. As impressões humanas e as exteriorizações das convicções da sociedade lotam as agendas política e jurídica dos sistemas democráticos da modernidade. O mesmo pode se dizer do número de compartilhamento de fatos que despontam no ambiente informacional.
E assim as ideias vão caminhando, ou melhor, viajando em velocidade supersônica pelos dutos comunicadores da era da datificação, em que dados e metadados passaram a aferir relevância maior do que os seus proprietários pensam. E não cessa aqui. Os fatos passam a ser propagados de maneira exponencial, passando a chamar a atenção das grandes companhias tecnológicas.
Enquanto a sociedade e as instituições adentram em zonas de contato mais contundentes, caçadores de conteúdos pessoais trabalham incessantemente para constituírem um rol recheado de subsídios personalíssimos.
A atenção tem sido desviada e durante a discussão sobre o que é ou não liberdade de expressão e de informação, bem como os seus limites e alcances, a sociedade aumenta a sua participação nas redes sociais, permitindo, muitas vezes, sem o devido conhecimento, a entrada dos elementos que artificializam a vida na era cibernética.
Sim. O direito à liberdade de expressão é fundamental. O direito à liberdade de informação segue o mesmo rumo. E o direito à proteção de dados também possui tal atributo. Mas eles não trafegam na mesma direção, pois, quanto maior for a participação do povo, propagando fatos, maior será a exposição de seus dados.
Mas por que estamos falando de liberdade de opinião, de informação e proteção de dados? Simples. Porque no meio dessa tríade de fundamentalidade jurídica, ainda que não homogênea, surge o problema da desinformação.
A variedade de fatos disseminada nas redes sociais é invejável. Notícias falsas, duvidosas e imprecisas ganham o centro das atenções. Curiosamente, em duas vertentes. A primeira, intencionalmente, como uma isca para alocar nichos sociais em suas respectivas preferências e, assim, angariar mais dados pessoais.
A segunda, de maneira não provocada, mas ocasionada pela falta de nosso compromisso constitucional em evitar encaminhamentos sem o devido cuidado, sem a sonhada checagem factual e, até mesmo, sem a precisão necessária para assegurar a modalidade passiva do direito à informação: o de ser informado. Logo, notícias consideradas erradas também podem se caracterizar como fake news.
E no cenário de desinformação propagado neste século, a moeda que mais se valoriza diz respeito ao binômio “dados e metadados”. A transformação digital da nova socialidade [1] gerou uma indústria que constrói suas proezas sobre o valor desse binômio.
O mais instigante é que, antes, apresentavam-se como produtos automatizados de pouca utilidade. E agora perfazem a finalidade das plataformas, que produzem novos significados e exploram de maneira preciosa e inconteste o destino de seus objetivos. É a evidência da valorização do símbolo como uma simbologia de valor.
Da mesma forma que o Muro de Berlim significou uma barreira física construída pela Alemanha Oriental durante a Guerra Fria, no século passado, o mundo está procurando os “Muros de Berlim digitais” [2] durante a guerra da desinformação, nesta quadra. Coincidência ou não, a Alemanha protagonizou mais este capítulo na história da humanidade ao elaborar a famosa NetzDG (Netzwerkdurchsetzungsgesetz) ou The Network Enforcement Act, a Lei de Fiscalização da Rede.
Com o pontapé efetuado pela Alemanha, várias outras democracias ocidentais têm buscado estabelecer debates acerca do problema da desinformação e discussões sobre a regulação das fake news. O grande avanço deste século, certamente, perpassa pela percepção de que os embates argumentativos não se situam no campo da necessidade ou não de estabelecer o accountability, mas, sim, de como fazê-lo e de que maneira implementá-lo em sociedades que ainda caminham com mitos que acabam por afastar a população da informação hígida.
O fato de ser um problema implexo e, principalmente, a impressão social de que a regulação poderá causar eventual censura são exemplos de tradições que vagam no imaginário popular. Se pensarmos assim, o Estado só poderia se debruçar para estabelecer diretrizes regulatórias diante de problemas mais simples ou sob os quais a liberdade de expressão fosse entendida como absoluta. O que são, então, as redes sociais que não censuras privadas?
Pois bem. O Parlamento brasileiro está compromissado nessa temática e o projeto de lei das fake news está atualmente na Câmara Federal aguardando o seu trâmite regular. O que chama a atenção no PL nº 2.630/2020 é que ele trata mais de controlar o discurso político do que efetivamente de uma regulação de fake news [3].
O problema é de difícil análise. Mas, sim, em tempos difíceis, as decisões trafegam em zonas igualmente complicadas. E isso, por si só, não pode ser uma escusa para que a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet não seja elaborada.
Considerando que vivemos em uma democracia instável e fraturada por uma série de fatores estruturais, o Legislativo tem esboçado esforços para combater a desinformação. O “Muro de Berlim digital” pode não ser um fim em si mesmo, nem um “protótipo para censura online global” [4], mas um trampolim para a construção de novos obstáculos, desta feita, para as fake news.