A espécie humana, com ou sem a utilização da força bruta, desde os primórdios, sempre foi pródiga em usurpar, saquear e até mesmo matar e roubar o seu semelhante, para obtenção dos meios entendidos como necessários ao estabelecimento ou manutenção do poder e a formação de riquezas. As estratégias decorrem sempre de astúcias ou ardis do próprio beneficiário ou de quem o cerca de afagos para poder compartilhar do consequente resultado. Alguns registros ou ensinamentos históricos são dignos de serem lembrados para confirmar que o comportamento do homem jamais se divorciará dessas regras, sempre utilizadas pelos poderosos. – Citemo-los;
Quando Roma, ainda se encontrava sob os princípios originários dos ensinamentos do luminar grego Platão, utilizando a forma de governo republicano, as suas conquistas mais representativas eram dirigidas por governadores. Dentre estes, Marco Túlio Cícero, quando governante da Sicília, no ano 70 aC, teria recebido do inescrupuloso Caio Verres a seguinte orientação: “o governador terá que adquirir nas províncias três riquezas: a primeira para pagar as dividas decorrentes da sua eleição; a segunda para si próprio e a terceira para subornar seus sensores”. Ainda, em terras da atual Itália, no entorno dos anos 1500, mesmo período do descobrimento do nosso País, o então governante da cidade de Florença, berço do movimento renascentista, o príncipe Lorenzo de Médici, recebera do seu orientador político, Nicolau Maquiavel, alguns “formidáveis” ensinamentos, dos quais destaca-se o seguinte: “Meu Príncipe, o senhor para se manter no poder terá que matar os seus inimigos, porém, se for necessário, mate também os seus amigos”. Essas duas “maravilhas” da cultura política, associadas a tantas outras, que as completam e/ou aperfeiçoam, formam o universo básico para onde convergem todos os procedimentos ou atos dos pretendentes ou já detentores do poder.
Quando o Brasil se tornara “independente”, D. Pedro, o nosso primeiro Imperador, em face de fortes pressões, inclusive dos defensores do regime português, foi obrigado a buscar apoio de ferrenhos opositores, os liberais. Seu substituto e filho D. Pedro II, mais culto e preparado para o cargo, tornara-se pródigo na distribuição de patentes, de coronel, major, capitão, etc., com abrangência em quase todo território nacional, tudo para obter fidelidade para com o Império. Com a Proclamação da República, em 1889, formularam-se os princípios norteadores de um modelo capaz de assegurar o poder, caracterizado pelo famoso sistema “Café com Leite”, que estabelecia uma espécie de alternância na eleição presidencial – Minas Gerais (leite) e São Paulo (café). Esse procedimento tornou-se dominante até o surgimento da concorrência gaúcha, decorrente da força oriunda da escola militar ali sediada.
Já nos anos 30 do século passado, o caudilho rio-grandense, Getúlio Vargas, então Ditador do Brasil, constatando que a força dos estados nordestinos lhe seria útil para manter-se no poder, ao submeter-se a referendo eleitoral, convidou para compor sua chapa o político paraibano João Pessoa, que mais tarde viria a ser assassinado, por questões pessoais. Eleito, o Presidente Vargas, não suportando as fortes oposições ao seu governo, valendo-se, porém, da sua ampla popularidade, em 1937, encerrou o recém-nascido sistema democrático, restabelecendo o regime ditatorial, através do chamado “Estado Novo”, que perdurou até 1945, quando foi destituído pelo poder militar e substituído por José Linhares, que permaneceu no governo até a posse de Eurico Gaspar Dutra, em 1946. Getúlio ainda retornara à Presidência da República, mediante eleições em 1950, permanecendo à frente da Nação até o seu suicídio em 24 de agosto de 1954, quando se encontrava encurralado sob violentas pressões da imprensa, capitaneadas pelo vibrante jornalista Carlos Lacerda. O substituto natural foi o Vice, Café Filho, que não completou o mandato em razão de enfermidade, tendo sido substituído por Carlos Lins e este depois por Nereu Ramos, tudo de conformidade com as regras constitucionais então vigentes. Após, em janeiro de 1956, iniciava-se o Governo do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira que, enfrentando as lideranças da época, notadamente da cidade do Rio de Janeiro, com muita coragem e forte dose de ousadia fez edificar no planalto central goiano o orgulho da nossa arquitetura, a bela capital Brasília. O seu sucessor, o inconsequente Jânio Quadros, alegando pressões externas, ainda no primeiro ano de governo, renunciou ao cargo, ensejando a posse do Vice, João Goulart, que era filho político e adotivo de Getúlio Vargas. A partir de então, o Brasil começava a tomar rumos diversos, pois, sob a liberalidade do próprio Presidente Goulart, os ideais nacionalistas, predominante na chamada esquerda contaminaram quase todos os segmentos da população, notadamente os estudantes, sobre orientação da UNE e os operários, através de organizações sindicais do ABC paulista, chegando até os quartéis. Tais comportamentos, entretanto, causavam muitas preocupações no âmbito dos comandos militares que, para coibi-los, utilizando-se dos seus próprios meios, inclusive de espionagem, montaram as bases com vistas à tomada do poder, que viria a acontecer no último dia do mês de março, sob a denominação de a Revolução de 64. Os militares, para disfarçar o sistema ditatorial de governo que implantaram, fizeram introduzir um modelo eleitoral, onde somente aos detentores do poder seria possível se tornarem vencedores. O Presidente da República e os Governadores dos Estados eram eleitos pelo voto indireto e as vagas do Senado, atreladas ao modelo de sublegendas. Ao mesmo tempo, as universidades, a imprensa, os sindicatos e as entidades da vibrante classe estudantil tornaram-se vigiados ou subjugados aos ditames governamentais. As artes, notadamente a música, o cinema e o teatro foram submetidas aos rigores da censura prévia. Quase todas as lideranças do País obrigaram-se a buscar refúgio no exterior. Cinco foram os ocupantes da Presidência da República, no chamado período revolucionário, todos oriundos dos comandos militares, mais precisamente do Exército.
Mais tarde, em sintonia com a claríssima regra básica do comportamento humano de que somente Deus é eterno, a história do Brasil, já nos primeiros anos da década de 80, do século XX, passou a adotar um modelo “misto” de controle do sistema político que, ao mesmo tempo em que exercia o regime de força, permitia algum tipo de abertura, inclusive mediante a instituição da lei de anistia. Nesse diapasão foram se estabelecendo alguns procedimentos na sociedade brasileira, com destaque para a proposta de eleições, em forma de “Diretas Já” que, embora amplamente difundida nos logradouros e palanques das grandes cidades, fora derrotada no Congresso Nacional. Este, porém, quando da próxima eleição indireta tomando coragem, ficou do lado da população e enfrentou o poder militar para eleger Tancredo Neves e José Sarney, em detrimento do candidato governista Paulo Maluf. O Presidente Tancredo, logo após sua eleição, fora acometido de grave enfermidade que o impedira de tomar posse em 15/03/1985 e ainda o levaria a morte, ensejando a ascensão definitiva do seu Vice, José Sarney.
A partir de então a história política do Brasil tomaria outros caminhos. Quase nada das supostas insinuações do inescrupuloso Caio Verres, proferidas para Cícero, então governador da Sicília, que era integrante da república romana, vinham sendo utilizados. A predominância nefasta que se fazia sentir, na época, era a que decorria das orientações de Nicolau Maquiavel. Pouco se falava de corrupção ou roubalheira. Tão somente se exterminavam os adversários, mediante fraudes eleitorais, porém, sem a caracterização de morte física. Após, sob a égide das orientações conjuntas dos arquitetos do mal, o siciliano e o florentino, a conquista e/ou a manutenção do poder político no Brasil tornaram-se uma prática preferida dos , pois, governar sem corromper ou roubar, não seria condizente com o sistema predominante no nosso País. Naturalmente que ainda existe uma boa quantidade de político e dirigentes públicos honestos, porém, a maioria é composta por “Ali Babas”, que roubam diretamente ou dão ordem para roubar, a fim de dividir o produto, sempre utilizado para pagar despesas de eleição; também para formação de riquezas e ainda para subornar os seus julgadores, aí se incluindo a distribuição de cargos e verbas públicas, além de outras espécies de favores. Com a utilização dessa forma, estão sempre tornando presentes os ensinamentos de Verres, embora proferidos há quase 2100 anos. Por outro lado, a falta da prestação de “socorro” a antigos e fiéis aliados, os deixando submetidos aos rigores da lei, sem dó ou piedade, tudo com o objetivo de salvar a própria pele, nos faz lembrar que Maquiavel ainda é cultuado no nosso País.
Estes assuntos são estabelecidos para reflexão da população brasileira, pois, em face dos seus conteúdos, fazem lembrar que efetivamente o nosso povo se encontra no fundo do poço ou enterrado no lamaçal movediço da corrupção que assola o Brasil, em todas as esferas da administração pública, com a conivência e o interesse das grandes empresas do setor privado. Não devemos, entretanto, perder a esperança, pois alguém ainda virá em nosso socorro, jogando uma corda ou estendendo uma vara para que possamos sair do poço ou nos livrarmos do lamaçal movediço. Em outros artigos, de cunho específicos, antes já tratamos boa parte dos malefícios introduzidos e que regem os aspectos políticos, jurídicos e da administração brasileira em geral.
Apesar do indisfarçável grau de pessimismo demonstrado nesta matéria, acredita-se, porém, que ainda haverá solução, principalmente em face da árdua e corajosa missão que está sendo cumprida pela Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário brasileiro, fazendo levar às barras dos Tribunais e, após o julgamento, aos cárceres os outrora poderosos chefões, os mesmos que conduziram o nosso País ao caos, que ora vivenciamos. Neste aspecto, o destaque vai para a Justiça jurisdicionada no Estado do Rio de Janeiro, onde três dos seus últimos Governadores, um ex-Presidente da Câmara e uma ex-primeira dama encontram-se no presídio de Bangu. Pena que ainda existem tantos outros corruptos os quais, mesmo diante dos evidentes malefícios que praticaram, continuam se mantendo ou até mesmo com pretensões de retornarem ao poder, como salvadores da Pátria.
Que Deus liberte o Brasil dessa infelicidade…
José Ribamar Santos Vaz
Juiz aposentado do TJMA