Dia do Magistrado deve marcar luta contra o ataque à cidadania dos membros do Poder Judiciário

*Holídice  Cantanhede Barros

Juiz de Direito

2º Vice-Presidente da AMMA

 

Causa perplexidade a proposta de alteração da Lei Complementar 64/90, que amplia de 06 (seis) meses para 08 (oito) anos o prazo de inelegibilidade para magistrados concorrerem a cargos eletivos.

A ideia de um prazo de desincompatibilização para que agentes públicos, entre eles magistrados, deixem o cargo é acertada. Visa a impedir a utilização de sua condição funcional como meio de promoção pessoal antes mesmo do início da campanha eleitoral. Nesse viés, a inelegibilidade temporal está de acordo com os princípios democráticos da isonomia e da probidade administrativa e protege contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, conforme expressa previsão constitucional (art. 14, §9º).

O que não é normal – e deve ser combatido – é a ampliação de uma quarentena de 06 (seis) meses para 08 (oito) anos para magistrado, prazo este que não guarda similaridade com qualquer outra incompatibilidade para agentes públicos.

A alteração é, obviamente, desproporcional e fere o princípio da isonomia, ao cotejar-se o mesmo prazo em relação a outros cargos públicos, impondo ao juiz um período de impedimento igual ou superior ao de uma condenação criminal e da penalidade prevista na Lei de Improbidade Administrativa. Demonstração inequívoca de que a inelegibilidade altera o status do cidadão.

O prazo diferenciado está longe de constituir uma maior proteção ou maior respeitabilidade ao Judiciário, mas ao contrário, passa uma mensagem ruim para a sociedade, porque parte do pressuposto equivocado de que os juízes não mereceriam confiança para disputar uma eleição em período próximo ao seu desligamento. Subentende-se, aprioristicamente, que todo o seu trabalho naquela comarca ou vara só teria servido para angariar dividendos políticos. Nenhum outro ocupante de cargo público tem em seu desfavor um prazo de incompatibilidade tão alargado.

Na quadra atual,  não se verifica qualquer prazo de desincompatibilização para os Parlamentares, os quais podem concorrer a qualquer cargo eletivo sem a necessidade de observar nenhum período entre o afastamento do cargo e a data das eleições. Ademais, o Projeto de Lei mantém o prazo de desincompatibilização em 6 (seis) meses para os Chefes do Executivo. E dúvidas não há de que estes agentes podem, em tese, instrumentalizar seus cargos em busca do desequilíbrio do pleito, gerando, inclusive, o ajuizamento de ações eleitorais objetivando a cassação dos mandatos.

Vale dizer que vários atores sociais de destaque, como médicos, e mesmo servidores públicos, como delegados de polícia, ao cumprirem sua função com zelo e dedicação tornam-se, naturalmente, candidatos fortes ao pleito eleitoral em seus locais de atuação. Para aqueles não há prazo e, parece-me, nenhuma incompatibilidade ética. Para este últimos, tão somente o prazo comum de 06 (seis) meses, o que mesmo com a sua marcante presença nos mais diversos níveis do Legislativo, não parece ser motivo suficiente para uma alteração em seu período de desincompatibilização.

Situações pontuais de exposições de magistrados não podem servir como justificativa para este aumento exagerado do prazo, porque além de revelarem revanchismo, não fazem justiça à esmagadora maioria de magistrados. Além disso, a Corregedoria Nacional e os Órgãos Correicionais dos Estados possuem mecanismos para evitar violações aos deveres da Magistratura, sendo a ampliação do prazo de inelegibilidade medida inadequada para combater suposta violação à igualdade do pleito eleitoral.

Recentemente, magistradas e magistrados sofreram um duro golpe em seus direitos  mínimos de cidadania, na medida em que adveio entendimento do CNJ, censurando a participação de juízes e juízas em redes sociais, sem ao menos conhecer o conteúdo do que seria dito nesses veículos de comunicação.

O Julgamento da ADPF 130 pelo STF, que declarou que a Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67) era incompatível com a atual ordem constitucional, rechaçou a censura prévia, colocando em destaque a livre manifestação do pensamento, ressalvando, todavia, a possibilidade de responsabilização de eventual infrator, todas as vezes em que houvesse desrespeito a direitos constitucionais alheios, “ainda que também densificadores da personalidade humana”.

Este direito vale para os cidadãos em geral e deve valer também para a Magistratura. O fato de que a toga exige do magistrado e da magistrada conduta irrepreensível na vida pública e privada, gerando ônus maiores que o da população em geral, não pode ser capaz de retirar-lhes direitos que afirmam a sua condição de cidadania.

A Magistratura deve, sim, reconhecer os pesados encargos de sua carreira. A grave missão de julgar exige sacrifícios. Mas os órgãos de controle também precisam reconhecer que o mundo mudou e que a sociedade encontra-se mais aberta. Há novos modos de interação, socialização e difusão do conhecimento, o que acaba também alcançando a atuação de juízas e juízes, mesmo porque o seu encastelamento em gabinetes revela comportamento anacrônico e divorciado dos anseios da sociedade, sobretudo nos casos com grande repercussão social.

Hoje, dia 11 de agosto, é Dia do Magistrado. As Associações de Magistrados, que constituem a única voz organizada da Magistratura para resguardar prerrogativas de seus membros, devem celebrar a data, mas com preocupação e união em torno de suas garantias e de sua independência.