O OFÍCIO DE JULGAR NA CONTEMPORANEIDADE
Por Lourival Serejo
O juiz e a lei
O ato de julgar reveste-se de reconhecida complexidade, tanto pelos aspectos técnicos como pelos éticos. O juiz está condenado a decidir, a dar respostas aos que procuram a justiça com seus clamores. Na linguagem de George Forrel, o juiz quer goste ou não, quer ele acredite ou não, ele tem que viver tomando decisões constantes e inevitáveis.[1]
Os aspectos técnicos dos julgamentos referem-se ao enfretamento da lei, que passará, em seguida, ao processo interpretativo. É o ponto racional do julgamento. O fator ético vai mais além, com a pretensão de emitir uma decisão justa, ideal buscado pelo juiz, em todas as suas decisões.
A interpretação de um texto legal tem o mesmo alcance da interpretação de um texto literário. Daí o acerto em invocar a lição de Umberto Eco ao debruçar-se sobre esse desafio para dizer que “um texto, depois de separado de seu autor (assim como da intenção do autor) e das circunstâncias concretas de sua criação (e, consequentemente, de seu referente intencionado), flutua (por assim dizer) no vácuo de um leque potencialmente infinito de interpretações possíveis.”[2]
Depois de deparar-se com o fato nas versões trazidas pelas partes, analisar as duas faces, encontra-se o magistrado diante do desafio de aplicar a lei. É o primeiro momento do ato de julgar: de um lado, os fatos; de outro, a lei. É dessa análise dialética – lei e direito – que surge a norma. O juiz recebe a lei do legislador e, diante do caso concreto, a transforma em norma. Atentem o que diz F. Viola e G. Zaccaria: “Legge e diritto stanno fra loro come la potenza all`alto, come la possibilità alla realtà. La legge non è ancora la realtà del diritto, è solo un grado, certamente necessário, del cammino verso la realizzazione del diritto.”[3]
Essa primeira fase não esgota, ainda, o julgamento. Por muito tempo, foi assim: o juiz tomava o fato e o “enquadrava” na moldura legal, na literalidade da lei, na letra lei. O resultado era previsível e inevitável. Era o tempo do silogismo implacável.
O ato de julgar resumia-se numa operação lógica que não permitia criatividade ou preocupação com a justiça da decisão. O juiz podia condenar um indivíduo à morte e dormir à noite inteira, cioso de que havia feito justiça, porque dura lex sed lex.
Com a superação dessa fase e o aparecimento de novos debates, a postura do juiz evoluiu para um posicionamento mais crítico, defendendo a necessidade da interpretação do texto legal, por mais claro que pareça. Esse diálogo é um processo democrático que os regimes autoritários combatiam. Lembra Cappelletti:“Justiniano procurou proibir todo comentário jurídico ao seu Corpus Juris, e assim impedir que os futuros juristas, ´com sua verbosidade` causassem confusão à acabada clareza de sua legislação.”[4] Outro exemplo conhecido foi a reação a reação de Napoleão quando começaram a interpretar o seu Código Civil.
Esse debate não se finda aqui, é muito profundo. Para interessados é recomendável, com a devida crítica, a leitura inicial de um antigo livro de Jean Cruet: A vida do direito e a inutilidade das leis.[5]
A contribuição de Renato Nalini para este tema merece ser trazida a lume. Diz ele:
O tema de maior sensibilidade para definição dos rumos do Judiciário neste século é o da interpretação.[6]
[…]
Penetrar na riqueza e na profundidade do universo interpretativo confere à função judicial nítido salto qualitativo. Interpretar é mais do que aplicar a norma. É atingir a potencialidade do seu âmago, é saber extrair dela a sua abrangência, é completar de maneira criativa a originalidade do legislador.[7]
O juiz atual, que toma a Constituição como inspiração maior, vê-se diante de novos valores que refletem a sociedade, aos quais o julgador precisa estar atento para encaminhar sua decisão.
Nesse encontro com a lei e o caso concreto, onde fica a justiça? Adiante esse tema será tratado com a atenção que merece, tão importante que é.
2 O juiz e a ética
A ética é o desafio diário de um magistrado porque se apresenta a ele no momento do seu primeiro contato do dia com o outro. O comportamento ético é tudo o que se espera de um juiz que detém o poder de julgar o próximo, que personifica a justiça no seio da sociedade e é o garantidor dos direitos de todos os cidadãos.
O Código de Ética da Magistratura Nacional traz um verdadeiro catecismo de condutas a que devem os magistrados seguir com atenção para firmarem sua integridade como julgador. Independência, imparcialidade, transparência, integridade, diligência, dedicação, cortesia, prudência, sigilo profissional, conhecimento, capacitação, dignidade, honra e decoro, todos esses predicados são indispensáveis para o fortalecimento da personalidade de um magistrado atuante e consciente dos seus deveres. Esses devem ser os parâmetros definidos da atuação do magistrado.
Na modernidade, grandes nomes da filosofia destacaram-se nos estudos dedicados à ética, como Kant, Marx, Hegel, Spinoza etc. No estágio contemporâneo temos Perelman, Adolfo Sánchez Vásquez, Hans Jonas, Leonardo Boff, Peter Singer, Zygmunt Bauman, Fábio K. Comparato, Renato Nalini, Adela Cortina, dentre outros.
A novidade atual, nesta era da pós-modernidade – é que a ética voltou a ser procurada e estudada como uma opção inteligente de vida para o novo século, a ponto do filósofo francês Lipovetsky declarar que agora é a vez da máxima: “Ou o século XXI será ético ou não será nada.”[8]
A consciência ética passou a orientar os negócios e tornou-se preocupação e exigência das pesquisas científicas. Nas empresas, o relacionamento entre executivos e seus empregados mudou o conceito de liderança, despontando o respeito pelo outro como o grande segredo do sucesso; nas pesquisas científicas, a preocupação com suas consequências fez surgir a bioética, que se tornou a exigência dos debates mais fortes sobre o futuro da existência humana.
Além dessas duas conotações, deslocando a tradicional preocupação da ética com o próximo, a globalização dilargou o campo de sua abrangência para além do espaço visual. A atenção com o meio ambiente e a preservação do planeta são a tônica da nova postura ética do cidadão universal, com vistas ao futuro de nossos filhos e netos e de toda a humanidade.
A ética judicial como ética aplicada orienta-se no sentido de fornecer ao juiz os rumos da sua conduta, ratificando a legitimidade do seu agir, em defesa da democracia, para a formação de um juiz pensante, compromissado com seus deveres funcionais, com a jurisdição da inclusão social, da motivação de suas decisões, da bioética, com os princípios constitucionais e empenhado na busca da resposta correta em suas decisões.
Manuel Atienza, em conhecido trabalho de sua autoria, aponta estes três princípios vetores da ética judicial: independência, imparcialidade e objetividade.
Nesse tripé que Atienza idealizou está concentrada a essência da conduta que se espera de um juiz.
Uma argumentação comprometida com a ética (lembrem-se de que ética é justiça) não descamba para o lado imoral em busca em busca de interesses pessoais nada republicanos. O nazismo também tinha seus fundamentos argumentativos, longe dos quais passava a ética e o imperativo categórico de Kant.
3 Construção da decisão justa
É mais fácil sentir a Justiça do que defini-la. Sente-se realizado o juiz quando soluciona um conflito de interesses e sente que tomou a decisão justa. Mas não é nessa subjetividade que se reduz a justiça. Ela se torna objetiva quando a comunidade aceita sua justificativa, quando o juiz a convence de que escolheu a melhor solução possível.
Para construir uma decisão justa precisa o juiz ter a capacidade de sentir o ethos da lide posta a seu julgamento. Atentar para os paradigmas técnicos e humanistas que condizem com a busca do justo na conclusão da prestação jurisdicional. Nesse roteiro o juiz utilizará os meios convenientes da argumentação aplicáveis à motivação para alcançar o seu objetivo e tentar convencer a comunidade jurídica sobre o acerto de sua decisão. Entende o autor deste texto que a busca pela resposta correta, tão utilizada hoje pela hermenêutica, se confunde com o empenho em proferir a decisão que parece justa ao decisor.
O juiz de hoje, já foi dito de todas as formas, não se submete mais passivamente à letra da lei. A sua decisão projeta-se além do círculo legal para submeter-se à avaliação voltada para a prática da justiça e, então, apresentar sua decisão. Destaca-se, nesse momento a exigência da justificação como momento essencial de uma decisão judicial.
É desse contato com o caso concreto que o julgador poderá, inclusive, fazer as curvas necessárias e praticar a ductilidade possível para atingir o justo, na trilha das exortações de Zagrebelski sobre o direito dúctil.
A atitude eminentemente técnica e asséptica retira o comprometimento que o magistrado deve ter com o acerto de sua decisão.
Nessa busca pela resposta correta, o juiz precisará utilizar-se dos meios necessários de argumentação aplicáveis à motivação. Só com o manejo eficiente da argumentação será possível convencer o “auditório” de Perelman, afastando-se do perigo do decisionismo, calcado na vontade do individual e soberana do juiz jupiteriano, da metáfora de François Ost. Longe desse modelo negativo, caracterizado pela preponderância da vontade, deve o magistrado, com a devida serenidade, buscar a decisão que mais se aproxime do sentimento de justiça.
Para maior apoio de sua decisão, não pode o juiz perder de vista o farol constitucional, cuja luz de princípios e regras deve iluminar as decisões judiciais.
3.1 Motivação e justificação
Sustentar as decisões judiciais pela motivação do ato decisório, hoje, é uma exigência constitucional (art. 5º, IX, da CF) e, portanto, um direito fundamental de cada cidadão que está sendo julgado. É pela motivação que o juiz ratifica sua legitimidade como agente do poder, no momento em que cumpre o mandamento constitucional de uma Carta elaborada pelos representantes do povo brasileiro. A Constituição, diz Marcelo Elias Naschenweng, faz parte do existencial do intérprete e em qualquer interpretação ela é chamada a operar.[9]
Motivar é demonstrar para convencer, com invocação dos valores e princípios que dão validade ética à norma que sua decisão vai produzir.
É um momento da justificação. Nesta o juiz aponta o amparo legal ou principiológico à sua decisão, diante de um caso concreto. Na justificação o juiz vai mostrar as razões pelas quais a sua decisão e não outra é a mais correta e justa para o deslindo da questão submetida ao seu julgamento. Quem bem explica esses dois momentos da argumentação é Atienza, ao dizer que “uma coisa são as razões que explicam a decisão, outra, as que a justificam. A palavra “motivar” poder usada nos dois sentidos, mas quando se diz que os juízes têm a obrigação da motivar suas decisões, o que se quer dizer é que devem justificá-las.”[10]
Em tempo de precedentes, a justificação tornou-se mais recomendável, sob pena de transformar-se a obediência em algo automático, com a mesma função do silogismo.
Pontua Alejandro Nieto que:
La motivación perfecta consiste en una demostración, sea empírica o lógica; ahora bien, lo que no puede ser demonstruado puede ser argumentado de tal manera que, aunque no se pueda afirmar que el resultado sea verdadeiro, puede llegarse al convencimento de que es plausible (o asumible).[11]
Ultimamente, com o reconhecido poder dos juízes neste século XXI, o conceito de motivação atingiu um nível mais inclusivo, inclinado para as posturas ativistas, resultando em entendimentos como este:
A motivação, analisada sob uma nova perspectiva, passa a ser vista, não como simples meio para justificar a aplicação da lei, mas como forma de justificar, com argumentos convincentes, as escolhas interpretativas do julgador e o resultado do julgamento, a fim de legitimar a atuação do Poder Judiciário, demonstrando o correto exercício do poder de julgar na busca da solução mais justa do caso concreto.[12]
É importante não esquecer não esquecer a lição de Sette Lopes: “a motivação é o único ponto de apoio para o controle e a publicidade da atuação do juiz.”[13]
Manuel Segura Ortega, em sua obra Sentido y limites de la discricionalidad judicial, ao abordar o tópico da motivação, esclarece: La motivación, por tanto, no es otra cosa que la exposición realizada por el juez de las razones de Derecho y de hecho sobre las que se fundamenta la decisión.[14]
E continua o autor,
La justificación de las decisiones tiene dos dimensiones que pueden diferenciarse claramente. Por un lado, la justificación se proyecta sobre las reglas procedimentales en el sentido de mostrar que todos los pasos que se han dado en el proceso han respetado las reglas procesales de modo que todos los actos del juez o tribunal tienen una fundamentación normativa suficiente. Por otro lado, la justificación también se proyecta sobre el contenido de la decisión; em este aspecto se trata de mostrar que la decisión refleja la aplicación de las reglas del sistema jurídico desde una perspectiva material. Por tanto, “la justificación de una decisión pretende mostrar tanto la corrección procesal, como la corrección material de la decisión; tanto la conformidade al Derecho desde el punto de vista procedimental como conformidade ao Derecho desde el punto de vista material.[15]
O processo judicial eletrônico, somando-se às teses dos tribunais superiores, às súmulas e precedentes, tem levado muitos julgadores a não exercitarem como devido a motivação, em atenção à maior celeridade da justiça. Este tema é polêmico que atrai razões de ambos os lados. Os julgadores se encontram diante de uma excessiva judicialização com a obrigação de cumprir metas sobre metas, enquanto cada parte espera que sua causa seja analisada em tempo razoável com a profundidade capaz de exaurir todos os ângulos do conflito. Entra em confronto o anseio de justiça com o tempo de duração do processo que se acelerou. O que fazer o juiz? A melhor respostas, a meu ver, foi dada por François Ost, no último parágrafo da sua obra O tempo do direito, ao dizer: “Assim, uma duração é medida para permitir fazer justiça; é um tempo dado, para que o direito se enuncie.”[16]
3.2 Argumentação
É pelos argumentos que o decisor demonstrará suas razões objetivamente. Pelo exercício da argumentação, o magistrado busca persuadir, convencer o outro de que sua decisão é acertada.
A lei é uma proposta normativa generalizada para aplicação do direito. Entretanto, esses dois elementos (a lei e o direito) não garantem a aplicação da justiça. Para o alcance da justiça é preciso ir mais além. Se a lei servir de obstáculo para tanto, o juiz deve afastá-la, com invocação dos princípios constitucionais, analisando-a no contexto do ordenamento jurídico, em busca de fundamentos sistemáticos. Não se admite mais o juiz como escravo da lei, como fiel cumpridor da lei, sem a postura crítica, transitiva, que deve impor-se como conduta. É nesse momento que o juiz precisa utilizar-se da argumentação para convencer a comunidade jurídica do acerto de sua decisão. Para Chaim Perelman,
O objetivo de toda argumentação é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu consentimento: uma argumentação eficaz é a que consegue encontrar essa intensidade de adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação, que se manifestará no momento oportuno.[17]
A argumentação exige aprofundamento da análise do fato sub judice, para, então, expor-se a conclusão a que se pretende mais justa possível. Atentem que digo “possível.” Ninguém pode ter a pretensão de, argumentando ou não, encontrar a única resposta correta.
Atahualpa Fernandez traz uma reflexão incisiva para o tema em apreço. Diz ele:
Do mesmo modo, qualquer teoria da argumentação jurídica quando é séria e intelectualmente honrada (…) deveriam antes de insistir na racionalidade da interpretação e aplicação do direito, assumir o compromisso ético de inserir seu modelo metodológico de realização do direito em um contexto institucional desenhado a partir de uma concepção republicana democrática de Estado…[18]
Para Víctor Gabriel Rodrigues, ainda sobre o tema, alerta:
Aí fica, então, uma premissa relevantemente válida para o nosso estudo: a de que não existe um único caminho correto na argumentação nem verdade absoluta no Direito. Razoabilidade e força persuasiva: são esses os conceitos principais com que o argumentante deve lidar.[19]
E tem mais um importante detalhe nesse processo argumentativo: a linguagem, tão bem estudada por Gadamer. Para Víctor Gabriel Rodrigues, “A boa linguagem sempre é argumento.”[20] É pela atenção à linguagem que o juiz vai se deparar com as zonas de penumbras e os desafios da “textura legal” de Hart, para quem o direito é um processo que só ganha eficácia quando é comunicado pela linguagem.
Quando se fala em argumentação esta não pressupõe uma sequência de palavras sobre palavras para você demonstrar que está certo. Não é isso. Essas palavras devem ter peso e visibilidade ética. Argumentação é uma arte que exige técnicas, demonstrações, invocação de valores, princípios, tudo para convencer o outro, os outros, ou a comunidade jurídica quando se tratar da solução de uma lide.
Em uma de suas palestras, o professor Tércio Sampaio lembrava que no momento em que se recorre ao paradigma da argumentação para convencer sobre a certeza de uma decisão, surge a angústia da insegurança (= segurança jurídica). Na atualidade, esse questionamento é superado pela motivação e pela consciência do decisor de que não perdeu de vista seu compromisso com a prática de justiça, atento à Constituição e ao ordenamento jurídico.
Hoje dispõe-se de consagrados autores que se dedicam a estudos sobre argumentação, dentre os quais podemos citar: Chaim Perelman, Lenio Streck, Tércio Sampaio, Atahualpa Fernandez, Neil MacCormick, Robert Alexy, Hans-Georg Gadamer, Karl Larenz, Jacques Derrida, Gustavo Zagrebelsky, Alejandro Nieto, Manuel Atienza e José Calvo González, dentre tantos mais.
4 Conclusão
O juiz precisa saber que as leis são expressão de poder, do poder político. Muitas vezes, as leis nascem viciadas na sua elaboração. Algumas brotam por encomendas de grupos econômicos interessados, conforme ficou provado com os depoimentos da “Lava Jato”. Não sem razão, há muito já advertira Bismarck: “Se as pessoas soubessem como são feitas as salsichas e as leis, não comeriam as primeiras e não obedeceriam as segundas.”
Neste trabalho sobre o ofício de julgar depara-se com os pontos básicos de elaboração de uma decisão justa: a ética, a justiça, a motivação, a justificação, a motivação e a argumentação.
Esses postulados tornaram-se, ultimamente, mais necessários diante da metamorfose que a sociedade está vivendo, com a alteração de valores e a instalação do fanatismo em duas diversas modalidades, o que vem abalando, inclusive, os postulados da democracia.
No que concerne à ética, é preciso reconhecê-la pelos seus novos nomes: alteridade, cuidado, responsabilidade, ecologia, bioética e ética da inteligência artificial.
Faz-se pertinente ouvir a respeito desses passos a opinião de um economista como Amartya Sen, Nobel de economia, cujas preocupações foram expostas em seu livro A ideia de justiça. Diz ele ao lembrar a importância da argumentação pública (diálogos) para a compreensão da justiça: “Esse reconhecimento nos leva a uma ligação entre a ideia de justiça e a prática da democracia, uma vez que na filosofia contemporânea a ideia de que a democracia é mais bem-vista como “governo por meio do debate” ganhou ampla aceitação.”[21]
E mais adiante, enfatiza:
A justiça é uma ideia de imensa importância que moveu as pessoas no passado e continuará a movê-las no futuro. E a argumentação racional e o exame crítico podem realmente oferecer um grande auxílio para ampliar o alcance e refinar o conteúdo desse conceito fundamental.[22]
A busca pela decisão justa deve ir além dos preceitos legais e, até mesmo, do direito, se preciso for. É conveniente lembrar o que disse Derrida: “o direito é apenas um elemento do cálculo”. A argumentação expressa-se a partir da lei, reforçando a mensagem do seu texto, ou na busca da justiça, afastando sua literalidade para, dentro do ordenamento jurídico, apoderar-se das regras e princípios presentes na Constituição Federal.
Não depender exclusivamente das leis e não se obrigar de forma absoluta ao direito não significa ignorá-los. Ambos são como o centro de onde parte o raciocínio do juiz. O decisor deve sim conectá-los ao ordenamento jurídico constitucional para, atento aos princípios recomendáveis para cada caso, buscar a decisão mais justa. Repetindo: de posse dessa compreensão da lei e do direito, o juiz buscará confrontá-los com o caso concreto e buscar a direção da Justiça, o sentimento do justo, para encontra a melhor solução.
[1] FORELL, George W.. Ética da decisão. 3.ed. São Paulo: Sinodal, 1983;
[2] ECO, Humberto. Interpretação e superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 482.
2. VIOLA, F.; ZACARIA, G. Direito e interpretazione. Roma: Laterza, 2009, p. 324.Nota: Lei e direito estão entre si como a potência a outro, como a possibilidade à realidade. A lei não é ainda a realidade do direito, é apenas um grau, certamente necessário, do caminho para a realização do direito.
[4] CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Fabris, 1993, nota 32, p.32.
[5] CRUET, Jean. A vida do direito e a inutilidade das leis. Leme (São Paulo): Edijur, 2002.
[6] NALINI, Renato. A rebelião da toga. Campinas (SP): Millenium, 2006, p. 263.
[7] Ibid. p. 264.
[8] LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade da pós-modernidade: o crepúsculo do dever e a ética indolor dos novos tempos democráticos. Barueri (SP): Manole, 2005, p. 185.
[9] NASCHENWENG, Marcelo Elias. Hermenêutica do Precedente: o cuidado da coerência e da integridade. Belo Horizonte: Dialética, 2020.
[10] ATIENZA, Manuel. Curso de argumentação jurídica. Curitiba: Alteridade, 2017, p. 44.
[11] NIETO, Alejandro. Crítica de la razón jurídica. Madrid: Trotta, 2007, p. 168.
[12] SILVA, Ana de Lourdes Coutinho. Motivação das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 273.
[13] SETTE LOPES, Mônica. Os juízes e a ética do cotidiano. São Paulo: LTr, 2008, p. 112.
[14] ORTEGA, Manuel Segura. Sentido y limites de la discrecionalidad judicial. Madri: Ramon Areces, 2006, p. 77.
[15] Apud HERNÁNDEZ MARÍN, Rafael. Las obligaciones básicas de los jueces.
[16] OST, François. O tempo do direito. Bauru (SP): Edusc, 2005, p. 409.
[17] PERELMAN, Chaim. Tratado de argumentação. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 50.
[18] FERNANDEZ, Atahualpa. Argumentação jurídica e hermenêutica. 2.ed. São Paulo: Impactus, 2008, p. 137.
[19] RODRÍGUES, Víctor Gabriel. Argumentação jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.48.
[20] RODRÍGUES, Víctor Gabriel. Op. cit. p. 236.
[21] SEN, Amartya. A ideia de Justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 358.
[22] Id. Op. cit. p. 436.



