Migalhas
Nesta quinta-feira, 26, plenário do STF formou maioria para declarar a constitucionalidade da execução extrajudicial nos contratos de mútuo pelo SFI – Sistema Financeiro Imobiliário, com alienação fiduciária de imóvel, prevista na lei 9.514/97.
Votaram pela validação da norma o relator, ministro Luiz Fux, que foi seguido, na integralidade, pelos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
Ministro Edson Fachin, seguido pela ministra Cármen Lúcia, abriu divergência, entendendo que a execução extrajudicial nos contratos de mútuo não é compatível com a proteção constitucional do direito fundamental à moradia.
Caso
Nos autos, a disputa se deu entre um devedor e a CEF.
O TRF da 3ª região entendeu que a execução extrajudicial de título com cláusula de alienação fiduciária com garantia não viola as normas constitucionais, devendo ser apreciado pelo Judiciário apenas se o devedor considerar necessário.
Segundo o acórdão, o regime de satisfação da obrigação previsto na lei é diferente dos contratos firmados com garantia hipotecária, pois estabelece que, em caso de descumprimento contratual, e decorrido o prazo para quitar a dívida, a propriedade do imóvel é consolidada em nome da credora fiduciária.
No recurso ao STF, o devedor alegou que a permissão para que o credor execute o patrimônio, sem a participação do Judiciário, viola os princípios do devido processo legal, da inafastabilidade da jurisdição, da ampla defesa e do contraditório, representando uma forma de autotutela “repudiada pelo Estado Democrático de Direito”. Sustentou a inconstitucionalidade da execução extrajudicial.
Compatibilidade constitucional
Ministro relator, Luiz Fux, em seu voto, contextualizou o surgimento da lei 9.514/97, ressaltando que foi gerada para melhorar o sistema de financiamento da casa própria.
Em extensa análise, tratou também do instituto da alienação fiduciária e explicou detalhes do seu funcionamento no bojo dos contratos de mútuo.
No mérito, S. Exa. aventou a inexistência de violação da garantia da inafastabilidade da análise do Judiciário, pois a lei resguardou ao fiduciante a provocação deste Poder, caso se sinta prejudicado ou veja irregularidade no procedimento. Assim, entendeu que há possibilidade de controle posterior da legalidade do procedimento.
Na mesma toada, acresceu que não se observa ofensa ao devido processo legal, ao contraditório ou à ampla defesa, já que a lei dispõe de medidas indutivas ao cumprimento de obrigações contratuais, para reduzir a complexidade procedimental.
Fux assinalou que o procedimento é complexo e regrado, exatamente para não existir, ao mesmo tempo, violação à autonomia privada, gravitando em torno da previsibilidade das consequências em caso de não cumprimento do contrato.
Assim, para o ministro, as regras se coadunam com a CF e com normas do CPC aplicáveis a trâmites judiciais que envolvem direitos reais de imóveis.
Relevância social e econômica
O relator registrou que o caso é de extrema relevância econômica e social, além de jurídica.
Os impactos do procedimento extrajudicial nas taxas de juros dos contratos, que se relacionam com riscos de inadimplência, são altos, já que há redução de taxas quando se observa um arcabouço legal estável e previsível que garanta solidez e equilíbrio na relação jurídica mutuária.
“Ao reduzir o custo e a incerteza da possibilidade de obtenção de garantias imobiliárias, a alienação fiduciária permitiu revolução no mercado imobiliário brasileiro. De 2007 a 2017 o volume de crédito cresceu de forma expressiva, de 2% a 10% do PIB. O aumento da demanda por imóveis aumentou o movimento na construção civil, que gerou mais de 1 milhão de vagas de trabalho. […] A alienação fiduciária passou a ser usada em mais de 94% dos contratos em 2017”, destacou o ministro.
Ao final, propôs a seguinte tese:
“É constitucional o procedimento da lei 9.514/97 para execução da cláusula de alienação fiduciária e garantia, haja vista compatibilidade com as garantias previstas na Constituição Federal.”
Assim, no caso concreto, não proveu o RE, mantendo acórdão prolatado pelo TJ/SP.
Voto divergente
Ministro Edson Fachin, em voto, divergiu do relator. Para S. Exa., diante da ponderação da proteção do agente financeiro pelos riscos assumidos e a preservação dos direitos fundamentais do devedor, especialmente o da moradia, conclui que devem ser assegurados todos os meios para garantir a proteção da dignidade como mínimo existencial do devedor.
O ministro complementou que a validação da execução extrajudicial em contratos de mútuo com alienação fiduciária pela Corte, prestigia o mercado de crédito imobiliário e contribui para o crescimento do setor econômico, com possível redução de riscos e custos da atividade creditícia.
Mas, Fachin considera o cenário limitado, porque não avança no projeto de sociedade justa e solidária, além de não estimular a busca sustentável por soluções econômicas para o enfrentamento da falta de moradia digna.
Ao final, S.Exa. firmou entendimento de que a legislação impugnada afronta o devido processo legal, o acesso à justiça, o juiz natural e não é compatível com a proteção constitucional do direito fundamental à moradia.
Processo: RE 860.631