O número de trabalhadores infantis no Brasil pode ser sete vezes maior do que indicam as estatísticas oficiais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019 foram contabilizados 1,8 milhão de meninos e meninas inseridos, indevidamente, no mercado de trabalho, sendo mais de 700 mil nas categorias de piores formas de trabalho infantil.
Os dados foram citados durante o julgamento do Ato Normativo 0007616-84.2022, que propôs recomendação aos magistrados para expedição de autorização de participação de crianças e adolescentes em trabalhos artísticos, concursos de beleza, ensaios e outras modalidades de trabalho previstas no art. 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de forma a garantir os direitos fundamentais de crianças e jovens.
A Recomendação foi aprovada por unanimidade, nesta terça-feira (6/12), durante a 361ª Sessão Ordinária do órgão. O texto foi construído pelo Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj/CNJ), com a participação do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo da Aprendizagem do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT/TST).
A presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, elogiou o trabalho apresentado pelo relator do texto. “O resultado desse trabalho é fruto de uma multiplicidade de olhares. Esse talvez seja o grande trunfo do CNJ: todo resultado que apresenta é fruto de um diálogo, resultado de uma maturação, de um debate, de aporte de conhecimentos múltiplos da própria sociedade, das instituições, dos conselheiros e especialistas”, afirmou.
Conforme o voto do relator, o conselheiro Richard Pae Kim, na fase de desenvolvimento do adolescente, “o trabalho deve figurar como um coadjuvante, sempre compatibilizado com o propósito primário de formação e educação, jamais sendo tolerada, assim, qualquer política pública voltada à responsabilização econômica do ser em formação”.
Dessa forma, a regra deve ser a “desautorização do trabalho infantil”, sendo a participação de crianças ou adolescente em espetáculos públicos, seus ensaios e certames, exceções que “jamais podem ser admitidas como porta jurisdicional para instrumentalizar a expedição de autorizações judiciais para autorização de trabalho infantil”, defendeu o conselheiro Pae Kim, que também é presidente do Foninj.
O ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Evandro Pereira Valadão Lopes ressaltou que a atuação dos magistrados deverá ser pautada pelos princípios da proteção integral, da prioridade absoluta e da condição peculiar da pessoa em desenvolvimento. “O trabalho infantil deve ser compreendido como situação absolutamente excepcional, necessitando, para tal, de preenchimento de condições especiais, voltadas ao integral interesse das crianças e dos adolescentes. Isso porque a fragilidade deles é inerente. Por se tratarem de pessoas em desenvolvimento e devido à sua falta de maturidade física e mental, sua proteção merece cuidados especiais”, disse.
Valadão acrescentou que o trabalho precoce infantil, “que atinge sobretudo meninos e meninas pertencentes a famílias empobrecidas, afetadas diretamente pela carência econômica”, reproduz ciclos repetidos de pobreza, estando diretamente ligado às altas taxas de evasão escolar, assim como a situações de risco biopsíquico.
Entre as orientações aprovadas, estão a “prévia e imprescindível” concordância da criança e o acompanhamento permanente dos pais ou de pelo menos um dos responsáveis legais. A recomendação também pontua a necessidade de efetiva verificação da compatibilidade entre o tempo de ensaio, os intervalos e as pausas com a regular frequência escolar, resguardando, obrigatoriamente, o exercício regular da fiscalização administrativa pelos órgãos competentes.
Quanto à celebração de contratos de aprendizagem, estágio, trabalho socioeducativo e de atividade desportiva, não é necessária a autorização judicial prévia, mas os acordos devem se manter nos limites previstos na legislação.
A recomendação prevê também, que, nos casos em que os magistrados verificarem a existência de interesse econômico referente à atividade artística da criança, os órgãos de fiscalização, como Ministério Público do Trabalho e Conselho Tutelar, deverão ser oficiados. Nesse caso, os contratos também deverão ser apreciados pelo magistrado ou magistrada. Ademais, segundo o texto aprovado, as ações relativas à exploração ilegal de trabalho infantil devem ter tramitação prioritária.
Texto: Lenir Camimura e Regina Bandeira
Edição: Jônathas Seixas
Agência CNJ de Notícias