Em artigo publicado nesta sexta-feira (31), o presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão (AMMA), juiz Holídice Barros, defendeu a realização de sabatina pelo Tribunal de Justiça para a formação da lista sêxtupla da advocacia para o Quinto Constitucional.
“Os candidatos devem ser sabatinados, apresentando seus currículos e manifestando suas ideias, exatamente para que o Tribunal observe a adequação ao cargo proposto, compreendendo qual contribuição poderão trazer à jurisdição”, esclareceu Holídice.
De acordo com o magistrado, a sabatina em questão aperfeiçoa o sistema vigente, contribuindo, no momento certo, para que a escolha possa observar os critérios propugnados pela Constituição Federal: reputação ilibada e notório saber jurídico.
“A defesa da carta de 88, a busca pelo acesso à Justiça e a abertura do Judiciário à democracia e seus processos permanecem causas justas a serem perseguidas por todos os envolvidos na complexa trama da construção institucional dos nossos tribunais. O debate produtivo gera dividendos a todos” destacou o presidente da AMMA.
Ainda segundo Holídice, o Quinto Constitucional não é do Judiciário, não é da advocacia e nem do Ministério Público. “É um instituto da sociedade, criado para servi-la, pensado para o enriquecimento do direito, que é vivo, dinâmico, e exige um olhar plural de todos os atores do sistema de Justiça. Os melhores quadros engrandecerão a sociedade e tornarão o Judiciário cada vez mais humanizado e preparado para a melhor prestação jurisdicional possível”.
Leia, abaixo, o artigo de Holídice Barros na íntegra:
O “QUINTO” QUE A SOCIEDADE MERECE
Holídice Cantanhede Barros
No processo de escolha do novo desembargador, pelo critério do “quinto constitucional”, para o Tribunal de Justiça do Maranhão, assistimos a uma intensa e interessante movimentação na advocacia do Maranhão em torno da eleição do seu indicado, decorrente de uma forma inédita adotada pela Seccional da OAB do Estado, que consiste no voto direto de todos os advogados e advogadas regularmente inscritos nos quadros da Ordem.
O instituto, previsto no art. 94 da Constituição Federal, estabelece uma cota de 1/5 (um quinto) das vagas, reservada à Advocacia e ao Ministério Público nos Tribunais Estaduais e nos Tribunais Regionais Federais, compostos, em regra, por magistrados de carreira, sem a submissão ao tradicional sistema de ingresso, que se dá por meio de um disputado concurso público de provas e títulos.
Além disso, os novos magistrados ascenderão diretamente ao segundo grau para o cargo de desembargador, sem a vivência do juiz de comarca e toda a experiência acumulada naqueles anos, que se revela preciosa para quem, precipuamente, terá a função de órgão revisor do primeiro grau.
Em tais casos, os requisitos de ingresso são outros, aferidos em diversas fases com a participação dos órgãos de classe, dos tribunais que receberão
os novos membros e, por fim, pelo Chefe do Poder Executivo. Ademais, pressupõe-se que a experiência do primeiro grau, como juiz, será substituída, no caso das vagas destinadas à advocacia, pelo pleno exercício da profissão, e pelo qualificativo do “notório saber jurídico”.
O objetivo declarado do instituto é o de oxigenar as Cortes Estaduais e os Tribunais Regionais Federais com membros oriundos de outras carreiras, mas que compõem o mesmo tripé do sistema de justiça, o que, segundo doutrina já conhecida, e como forma de compensar a falta de experiência na Magistratura, colaborariam com um novo olhar, com uma outra experiência, mas tudo em nome do aperfeiçoamento da prestação jurisdicional e em favor do cidadão, destinatário maior deste serviço público.
O Judiciário é um dos três Poderes da República, com a peculiaridade de que seus membros não ostentam um mandato eletivo, posto que não há escolha popular. A legitimação no cargo dá-se pelo cumprimento dos requisitos previstos em Lei e na Constituição Federal e, durante o seu exercício, pela escorreita aplicação das normas jurídicas vigentes e da efetividade da Justiça, razão pela qual é um Poder que muitas vezes se notabiliza por seu caráter contramajoritário, resguardando os direitos humanos e sociais e comprometendo-se com o direito ainda que, eventualmente, afaste-se da “voz das ruas”.
Com a nova sistemática adotada pela OAB do Maranhão, em que toda a advocacia votará para eleger 12 candidatos que comporão uma lista que será
submetida ao Conselho Estadual, que por sua vez formará uma lista sêxtupla, que será encaminhada à Corte local, algumas reflexões merecem ser feitas. A mais importante delas, e me manifestei sobre isso na sessão do órgão especial do Tribunal de Justiça, do dia 01.03.2023, é a de que, após a
investidura do novo desembargador ou desembargadora do Tribunal de Justiça do Maranhão, este profissional deixará a beca e vestirá a toga de magistrado. A Lei é muito clara nesse ponto: ou você é advogado ou você é magistrado.
Sem dúvida, o novo membro do TJMA não será um representante da advocacia no Tribunal de Justiça, mas sim um desembargador com uma visão
ampla e diversificada forjada pelos seus frutíferos anos de advocacia. Este magistrado oriundo do quinto terá um olhar próprio de quem foi advogado e que poderá sim contribuir com a advocacia, eis que constituído, pelo menos nos 10 (dez) últimos anos na lida dos balcões das unidades judiciais. No entanto, esses benefícios para a advocacia ocorrerão na mesma medida em que trouxerem proveito para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Como já referido, a Magistratura não guarda compromissos com quem quer que seja, nem mesmo com a opinião pública, mas única e exclusivamente com o Direito e a Justiça.
Na tentativa de convencer seus eleitores, alguns candidatos têm apresentado uma série de propostas, de interesse classista, mas cuja realização é bastante improvável, especialmente aquelas que exigem alterações legislativas, cuja iniciativa não cabe a um membro isolado do Tribunal de Justiça.
Como qualquer campanha eleitoral, as promessas fazem parte do jogo. Contudo, tratando-se de uma indicação para o quinto do Tribunal, é preciso
ressaltar que mais do que “promessas eleitorais” de cunho classista, o candidato ao cargo de desembargador deverá demonstrar compromisso e vocação para com a jurisdição e concretização da salvaguarda da Constituição e das liberdades individuais. Afinal, ainda que este novo magistrado passe a receber uma remuneração fixa, acima da média da população, provavelmente será bem inferior aos ganhos dos destacados advogados de nosso Estado, após os longos anos de carreira.
Tais compromissos devem ter relação com temas candentes e fundamentais ao aperfeiçoamento do Poder Judiciário e à entrega da jurisdição,
como, por exemplo, a discussão sobre o adequado acesso à justiça, a luta pela segurança jurídica e pela integridade do direito, a duração razoável do processo, a aplicação de meios alternativos de solução de litígios, a diminuição da população carcerária, o aperfeiçoamento da Justiça Digital, a independência do Poder Judiciário, a equalização da força de trabalho entre o primeiro e o segundo graus, entre tantos outros.
Uma observação. Não se trata aqui de qualquer tentativa de ingerência sobre o processo de escolha da OAB. Ao longo dos anos a Ordem tem cumprido muito bem esse papel, encaminhando listas com nomes notáveis, que se tornaram magistrados destacados e que certamente honraram – e têm honrado – a sua classe de origem, por meio de um efetivo e saudável arejamento da Jurisdição.
Um exemplo emblemático e notável é o do atual Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Paulo Velten, oriundo do quinto da OAB, que orgulha e honra nossa Corte Estadual, portando-se como um grande magistrado, com a sua visão republicana e ampla sobre o papel do Poder Judiciário na sociedade.
Mas há de se considerar que se trata de um processo sofisticado de escrutínio, que ganhou ainda mais complexidade com a escolha de uma lista inicial
de 12 (doze) nomes que serão votados por todos os advogados e advogadas do Estado, até chegar à lista tríplice a ser definida pelo Tribunal. Esse caráter novidadeiro da escolha do quinto impôs aos candidatos a realização de algumas campanhas que atendam aos interesses dos eleitores, com promessas incompatíveis com o cargo almejado. E lamentavelmente a retórica e a demagogia podem retirar da disputa profissionais vocacionados, experientes e que ostentem o verdadeiro conhecimento sobre o papel de um integrante do quinto na Corte.
Na quadra atual, o Poder Judiciário tem cada vez mais consciência do extraordinário papel que lhe cabe em um Estado de Direito e está absolutamente maduro para dimensionar a sua posição dentro de um processo de escolha para o qual ele mesmo é o seu maior destinatário. Afinal, cabe ao Tribunal verificar se aqueles indicados pela Ordem em lista sêxtupla satisfazem as exigências constitucionais para que um advogado ocupe cargo pelo quinto.
O novo processo de escolha pela OAB fortalece o caráter democrático dentro da própria instituição e tal iniciativa deve ser louvada, inclusive quanto à fundamental iniciativa de garantir a equidade de gêneros e a reserva de cotas raciais. Ocorre que, todas as vezes em que há ampliação de processos democráticos, devem ser igualmente fortalecidos os instrumentos capazes de evitar distorções, especialmente em tempos de redes sociais e inteligência artificial. A preocupação com os abusos e com os excessos decorrentes da tirania da maioria aperfeiçoaram-se ao longo dos anos, juntamente ao próprio crescimento da Democracia ao redor do mundo.
De Tocqueville, em “A Democracia na América”, até Levintsky e Ziblatt, em “Como as Democracias Morrem”, separados por quase 200 anos, há
uma preocupação que permanece atual: encontrar os mecanismos adequados para que este notável sistema político que é a Democracia não ceda ao autoritarismo decorrente das paixões da maioria.
A democracia, em qualquer nível, precisa dispor de instrumentos que permitam que o processo de escolha tenha legitimidade e alcance os objetivos para os quais o candidato foi eleito. E no caso do quinto constitucional, não se trata de uma eleição para atender aos interesses de determinados grupos, de uma classe ou de um partido, mas sim da sociedade, por meio da prolação de decisões em coerência com o direito vigente. É preciso garantir, nesse ponto, que a disputa entre os candidatos ocorra em igualdade de condições, para preservar a manutenção dos bons quadros da advocacia. Um magistrado do quinto, que assumiu compromisso com a agenda de determinados grupos, pode causar prejuízos irreparáveis, inclusive para a própria advocacia.
Nesse sentido, a Associação dos Magistrados formulou requerimento ao Tribunal de Justiça do Maranhão para que, formada a lista sêxtupla da advocacia, esses candidatos possam ser sabatinados, apresentando seus currículos e manifestando suas ideias, exatamente para que o Tribunal observe a adequação dos candidatos ao cargo proposto, compreendendo qual contribuição poderão trazer à jurisdição.
A sabatina em questão aperfeiçoa o sistema vigente, contribuindo, no momento certo, para que a escolha possa observar os critérios propugnados pela
Constituição Federal: reputação ilibada e notório saber jurídico. A defesa da carta de 88, a busca pelo acesso à justiça e a abertura do Judiciário à democracia e seus processos permanecem causas justas a serem perseguidas por todos os envolvidos na complexa trama da construção institucional dos nossos tribunais. O debate produtivo gera dividendos a todos.
É preciso dizer ainda que não há qualquer impedimento legal para a realização da sabatina em questão, já que os Tribunais de Justiça podem estabelecer normas internas, inerentes à sua competência de organização própria, para definir como será tomada a decisão colegiada em que aceita ou recusa os indicados ao quinto constitucional pelo órgão da categoria.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.455, Relator Ministro Alexandre de Moraes, entendeu que os tribunais podem estabelecer, por
meio de sua organização judiciária própria, normas internas para definir a escolha dos indicados ao quinto constitucional pelo órgão da categoria. O ministro Alexandre de Moraes (Relator) esclareceu que cabe ao Tribunal estabelecer normas dentro de sua competência interna para investigar se aqueles indicados pela Ordem em lista sêxtupla satisfazem as exigências constitucionais para que um advogado ocupe cargo pelo quinto.
Há uma experiência exitosa no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que tem promovido sabatinas com candidatos que integram a lista sêxtupla, por
meio da Comissão Permanente de Análise dos Requisitos do Quinto Constitucional, que tem se debruçado sobre o assunto, analisando as certidões dos indicados, verificando seus currículos e formulando, com tranquilidade, as perguntas pertinentes. Entendemos que essa investigação é fundamental para a escolha dos candidatos que formarão a lista tríplice a ser encaminhada ao Governador do Estado, sem prejuízo da sabatina realizada pelo Conselho Estadual da OAB.
O próprio Superior Tribunal de Justiça já recusou listas encaminhadas pela OAB sob a alegação de inadequação dos candidatos. Assim, dizer que o Judiciário deve permanecer inerte quanto ao processo é desconhecer a realidade e apequenar o importante instituto que é o quinto constitucional, que
requer empenho de todos os envolvidos na escolha dos melhores quadros. Com efeito, mais do que nunca, diante desse alargamento do
processo de escolha pela via democrática, em que toda a classe de advogados votará para a escolha do seu representante para compor o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, o Órgão Especial não poderá ficar de fora deste debate e deverá, sim, proceder à sabatina dos indicados, para que possa escrutinar o caráter republicano das propostas que vêm sendo lançadas, analisando-as à luz dos objetivos mais nobres do quinto constitucional, que é o de contribuir com uma gestão mais eficiente e ampla do Poder Judiciário.
O quinto constitucional não é do Judiciário, não é da advocacia e nem do Ministério Público. É um instituto da sociedade, criado para servi-la, pensado para o enriquecimento do direito, que é vivo, dinâmico, e exige um olhar plural de todos os atores do sistema de justiça. Os melhores quadros engrandecerão a sociedade e tornarão o Judiciário cada vez mais humanizado e preparado para a melhor prestação jurisdicional possível.