A mera suspeita, calcada em denúncia anônima, de que uma pessoa poderia ter cometido o crime de homicídio em data anterior não serve de fundada razão para que a polícia invada o domicílio de alguém sem autorização judicial.

Para ministro Schietti, hipótese de flagrante não era sequer remota e, portanto, não levou a fundadas razões para invasão do imóvel
Lucas P

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem em Habeas Corpus e decidiu trancar a ação penal contra um homem que teve a casa invadida pela polícia sem autorização judicial.

No caso, os policiais receberam, por denúncia anônima, informações das características físicas das pessoas que teriam praticado um homicídio três dias antes. Ao se dirigir ao local, viram na rua uma pessoa que se encaixaria nessa descrição.

Os policiais deram ordem de parada, mas o suspeito fugiu e entrou em casa. Os agentes invadiram o local, onde apreenderam o homem e encontraram 103 kg de maconha e 600 g de crack, além de uma pistola e dez munições.

Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que a situação indicaria a ocorrência de flagrante, o que justificou o ingresso forçado.

Relator no STJ, o ministro Rogerio Schietti apontou que o crime de homicídio não possui natureza permanente e teria ocorrido três dias antes da diligência policial. Com isso, não há nem mesmo a remota hipótese de flagrância a justificar a atuação dos policiais.

“No caso em tela, não se tratava de perseguição imediata a alguém que havia acabado de cometer um homicídio, mas sim de mera suspeita, calcada em informação anônima a respeito das características físicas do possível criminoso que poderia ter cometido o referido delito três dias antes. Na ocasião, aliás, não se sabia sequer o nome do suspeito”, afirmou.

Da mesma forma, o fato de o réu correr para dentro de casa ao avistar os policiais não dá motivação idônea para que eles invadam o local, conforme a jurisprudência do STJ.

“Portanto, uma vez que, no caso dos autos, não há nem sequer como inferir que o paciente estivesse praticando o delito de tráfico de drogas, ou mesmo outro ato de caráter permanente, no interior da casa onde se homiziou, entendo não haver razão séria para a mitigação da inviolabilidade do domicílio, ainda que tenha havido posterior descoberta e apreensão, na residência, de substâncias entorpecentes e uma arma, sob pena de esvaziar-se essa franquia constitucional da mais alta importância”, disse o relator.

Com a concessão da ordem, são imprestáveis todas as provas ilicitamente obtidas e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes e o próprio processo penal, já que se baseou  exclusivamente nessa diligência policial.

A conclusão da 6ª Turma sobre o caso foi unânime, conforme o voto do ministro Schietti. Ele foi acompanhado pelos ministros Antonio Saldanha Palheiro, Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior, e pelo desembargador convocado Olindo Menezes.

Jurisprudência
A análise da legalidade da invasão de domicílio por policiais militares é tema constante na pauta das turmas criminais do STJ. Caso após caso, elas vêm delineando os limites de identificação de fundadas razões para ingressar na casa de alguém sem mandado judicial.

No precedente mais incisivo, a 6ª Turma definiu que a invasão só pode ocorrer sem mandado judicial e perante a autorização do morador, se ela for filmada e, se possível, registrada em papel. A 5ª Turma também adotou a tese. Nesse ponto, a ordem foi anulada por decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2021.

Além disso, em outras situações, o STJ entendeu ilícita a invasão nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por tráfico praticado na calçada, por atitude suspeita e nervosismocão farejadorperseguição a carro ou apreensão de grande quantidade de drogas.

Também anulou as provas quando a busca domiciliar se deu após informação dada por vizinhos e depois de o suspeito fugir da própria casa ou fugir de ronda policial. Em outro caso, entendeu ilícita a apreensão feita após autorização dos avós do suspeito para ingresso dos policiais na residência.

Por outro lado, é lícita quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou flagrante de posse de arma na frente da casa, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre — ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.