Foto: Luiz Silveira/CNJ

Os gargalos do sistema de saúde, como o desabastecimento de medicamentos e a falta de especialistas, são alguns dos fatores que têm motivado a judicialização. Segundo dados da pesquisa “Judicialização e Sociedade: ações para acesso à saúde pública de qualidade”, publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de casos novos tem aumentado a cada ano, com um total que ultrapassa 2,5 milhões de processos entre os anos de 2015 e 2020. O levantamento faz parte do plano de ação do Fórum Nacional da Saúde, que, junto com as sugestões dos Comitês Estaduais da Saúde, vai construir um Plano Nacional com indicadores de melhorias na prestação dos serviços de saúde e redução da judicialização.

Baseado nos dados do Justiça em Números, da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud), do Ministério da Saúde e em questionários respondidos por magistrados, tribunais e secretários de saúde estaduais e municipais, o levantamento dimensiona a rede de atendimento de saúde disponível no país, bem como a judicialização do setor. O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, ressalta a importância de conhecer a realidade da saúde pública brasileira, para que o Judiciário possa avançar em políticas públicas e mitigar as consequências do excesso de judicialização dos casos revelados pelo levantamento. “Isso é fundamental para uma melhor prestação jurisdicional para o cidadão e, ao mesmo tempo, permite ao Judiciário colaborar, no que for possível, com o Poder Executivo para concretizar o completo acesso à saúde, preconizado pela Constituição Federal”.

A supervisora do Comitê Executivo do Fórum Nacional, conselheira Candice Jobim, reforça ainda que a ideia é mapear o funcionamento, a estrutura e os cuidados na atenção primária para compreender a interlocução interinstitucional entre o sistema de justiça e a administração pública. “O plano nacional será construído com a participação de gestores estaduais e municipais que participam dos Comitês Estaduais da Saúde para a elaboração de políticas que não sejam apenas impostas por decisões judiciais”.

Os questionários da pesquisa foram disponibilizados online e respondidos por adesão. Entre os 32 tribunais pesquisados, 30 enviaram respostas, alcançando 1059 magistrados estaduais e 184 federais. Também participaram 21 secretarias estaduais de saúde (de um total de 27). Da amostra de 763 municípios de todas as regiões, definidos com base no estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e considerados locais mais influentes na busca por serviços de saúde de baixa, média e alta complexidade, 30% (228 municípios) participaram do estudo.

 

Pandemia

O estudo permitiu verificar o impacto da pandemia na prestação dos serviços de saúde e ainda na judicialização nos últimos meses. Sobre os serviços de saúde, as informações foram colhidas do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) do SUS, em que é registrado o atendimento realizado no estabelecimento de saúde de caráter ambulatorial, com informações do paciente, dos procedimentos realizados e do estabelecimento de saúde. Em 2019, o SIA registrou cerca de 368 mil procedimentos ambulatoriais. Em 2020, houve uma queda de 41,9%.

Essa redução das autorizações de internação e consultas eletivas no SUS coincide com o período da pandemia. O mesmo foi verificado em relação às Autorizações de Internações Hospitalares (AIH), que são classificadas em procedimentos de Atenção Básica, Média Complexidade e Alta Complexidade. Entre janeiro de 2019 e outubro de 2020, o SUS registrou cerca de 19,5 milhões de AIH: 11,5 milhões em 2019 e 7,9 milhões em 2020, o que representa uma queda de 18,5%. “Com a proliferação do vírus em diversas camadas da população por todo o Brasil, os hospitais públicos e privados registraram alta demanda da doença Covid-19, tendo que ceder espaço físico, leitos, recursos e profissionais para o atendimento dessa enfermidade e recusar outros casos por falta de infraestrutura. A redução do número de autorizações de internação hospitalar de Alta e Média Complexidades em 2020 por outras doenças parece ser influenciado pela pandemia, uma vez que as internações por tratamento de infecção pelo novo coronavírus aumentou no período analisado”.

A pesquisa apontou ainda o impacto da pandemia na judicialização. Na Justiça Federal, destaca-se o registro de aumento no número de processos nos anos de 2019 e 2020, período de início da pandemia do coronavírus. Os tribunais regionais federais (TRF) têm 265.468 processos na série histórica (2015 a 2020). Em 2015, havia 36.673 casos novos, mas, em 2020, foram 58.744, sendo este o ano com a maior incidência. No período de 2015 a 2020, o TRF4, que abrange os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, foi o tribunal com mais casos: um total de 93.402.

Dos cerca de 2,5 milhões de processos relacionados à saúde, grande parte está concentrada na Justiça Estadual (2.250.733). Nos tribunais dos estados, em 2015, os casos novos totalizaram 322.395, mas, em 2019, houve um crescimento, chegando a um total de 427.633 processos. Considerando toda a série histórica, de 2015 a 2019, os tribunais de Justiça com maior número de casos novos foram o de São Paulo (488.840), Minas Gerais (444.123) e Rio Grande do Sul (287.718).

Remédios e atendimento

Segundo o estudo, ‘Medicamentos’ e ‘Tratamento Médico-Hospitalar’ estão entre os assuntos mais demandados ao Poder Judiciário. Respostas de secretarias estaduais e municipais de saúde indicam que a maioria conta com as Relações de Medicamentos Essenciais (Rename e Renume), que são cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas ainda sofrem com o desabastecimento desses remédios. “O desabastecimento de medicamentos da lista estadual demonstra uma fragilidade na prestação e na manutenção de insumos que seriam de responsabilidade do próprio estado”, alerta o relatório da pesquisa.

Entre possíveis causas estão: a alta demanda, a má gestão de recursos ou falta de logística. Os problemas licitatórios e a demora do fornecimento da medicação após a autorização, também foram citados pelos entrevistados como causas do desabastecimento das listas de medicamentos. Esses problemas estão presentes em mais de 70% das secretarias estaduais, e em 43% das secretarias municipais.

A falta de profissionais especializados também foi apontada pelos secretários de saúde municipais e estaduais participantes da pesquisa como a segunda maior dificuldade em cumprir as ações demandadas. Em primeiro lugar, está a falta de recursos suficientes ou não previstos no orçamento, que está relacionado também à compra de medicamentos.

Conforme a pesquisa, a especialidade médica mais judicializada é a de “Ortopedia e Traumatologia”, seguida pela oftalmologia. Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) do Ministério da Saúde, até outubro de 2020, o Brasil possuía 3.101.793 profissionais de saúde em estabelecimentos de saúde públicos e privados conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Cardiologia, oncologia e urologia também são especialidades deficitárias nos estados. Nos municípios, a psiquiatria, cardiologia e neurologia são as áreas mais demandadas.

Segundo a pesquisa, “além da dificuldade de um contingente de profissionais adequado nas diversas localidades do país, que gera a demanda de judicialização por parte do cidadão que necessita de uma especialidade médica, há também um contexto de estrutura heterogênea nas regiões do país para os diversos serviços de saúde prestados pelos entes federados”. Por exemplo, São Paulo apresenta a maior taxa de médicos por mil habitantes, com a proporção de cinco médicos por mil habitantes, enquanto o estado de Maranhão possui a menor taxa: 1 médico por mil pessoas.

O tempo de espera para o atendimento no SUS é uma das maiores preocupações de quem o utiliza. Segundo as respostas das secretarias de saúde, cerca de 60% dos estados afirmaram que o tempo médio para a realização de consulta nas especialidades de ortopedia, oftalmologia e oncologia é de menos de um mês. Já as consultas com cardiologistas podem demorar até seis meses. O mesmo padrão foi observado nas respostas dos municípios. A exceção foi em relação às consultas com oftalmologistas e cardiologistas, que levam de 30 a 90 dias.

Liminares e decisões

Com o auxílio dos dados do DataJud no período de 2015 a 2020, é possível ter uma percepção sobre movimentos dos processos que envolvem o tema Saúde. A concessão de liminares é, em média, de 80%, exceto para a temática “Plano de Saúde”, que fica abaixo desse índice. ‘Saúde Mental e Hospitais’ e ‘Outras Unidades de Saúde/Internações/UTI e UCI’ tiveram os percentuais de concessão mais altos, acima de 86%.

A taxa de procedência também seguiu o padrão de altas taxas. Para pedidos de internação, por exemplo, o percentual de deferimentos em relação aos casos novos e processos julgados é de 84%, seguido pelos medicamentos, que é de 83%. Os pedidos com a temática “planos de saúde”, no entanto, registraram um percentual de 43% de aceitação.

A pesquisa registra ainda que o tempo médio para julgar os processos – a contar da primeira movimentação até a sentença do processo – é de 9 meses na Justiça Estadual, e 10 meses em âmbito Federal.

Na primeira instância da Justiça Estadual, o tempo médio até a primeira sentença do processo foi de, aproximadamente, 12 meses. Já os processos recebidos e reconhecidos pelos Juizados Especiais registraram tempo médio da fase de conhecimento em torno de 8,5 meses. Na segunda instância, por sua vez, o tempo médio de julgamento foi de 7,5 meses.

Na Justiça Federal, os processos recebidos em primeiro grau apresentaram uma média de 13 meses da primeira movimentação até a primeira sentença, enquanto os de segundo grau registraram cerca de 10,5 meses. Os Juizados Especiais apresentaram tempo médio de 8 meses até a primeira sentença. A primeira instância apresenta maior variabilidade de tempo de julgamento, em cerca de 8,5 meses; enquanto a Turma Recursal não alcança 5 meses.

Lenir Camimura Herculano
Agência CNJ de Notícias