Fonte: Conjur

Ressalvadas as medidas de natureza exclusivamente punitiva — como, por exemplo, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos e até mesmo a multa civil —, o magistrado pode adotar medidas necessárias à proteção do direito discutido em ação judicial a qualquer tempo. Inclusive proibir contratação do poder público com empresa suspeita.

Empresa alvo de ação teria praticado fraudes em contrato emergencial firmado com município para fornecimento de combustível
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Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial do Ministério Público de Goiás para admitir que o juiz de primeiro grau possa fixar, em decisão liminar, a proibição de um município contratar com uma empresa investigada por fraude em contratos emergenciais.

A decisão foi tomada por maioria de votos, conforme a posição do relator, ministro Herman Benjamin, seguido pelos ministros Francisco Falcão e Assusete Magalhães. Ficaram vencidos os ministros Og Fernandes e Mauro Campbell Marques.

No caso, a prefeitura de Cristalina (GO) instaurou procedimento administrativo em 2017 que permitiu a dispensa de licitação para contratação emergencial de uma empresa, responsável pelo fornecimento de combustível para atender todas as secretarias municipais.

O Ministério Público Goiano identificou irregularidades e indícios de fraude, e com isso ajuizou ação civil pública, com pedido liminar. O magistrado de primeiro grau, ao analisar os pressupostos para a tutela provisória – verossimilhança da alegação e receio de dano irreparável – determinou a imediata suspensão dos contratos e proibiu o município de contratar com o réu, até segunda ordem.

O Tribunal de Justiça de Goiás afastou a proibição de contratação por entender que ela excedeu o poder de cautela conferido aos magistrados pelo artigo 297 do Código de Processo Civil, configurando antecipação de penalidade.

Segundo a corte estadual, no campo da improbidade administrativa, é vedada a concessão, em caráter cautelar, da antecipação de qualquer das sanções previstas no artigo 12 da Lei 8.429/1992 — inclusive a proibição de contratar com o Poder Público

Para o ministro Herman Benjamin, proibição liminar de contratar com poder público não tem caráter punitivo, mas inibitório
Gustavo Lima/STJ

Pode proibir
Para a maioria de 3 votos encabeçada pelo voto do relator, ministro Herman Benjamin, a cautelar não feriu limites, uma vez que todo o ordenamento jurídico-processual confere ao magistrado amplos poderes para tutelar os interesses que a ação civil pública busca proteger. Bastam a plausibilidade do direito invocado e a probabilidade da ocorrência de um dano potencial.

Apontou ainda que a proibição de contratar com o poder público definida em tutela antecipada não se confunde com punição prevista no artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa porque seu sentido está em prevenir atos ilícitos, não em punir o réu. “Não se trata aqui de medida de caráter retributivo, mas inibitório”, disse.

Em voto-vista, o ministro Francisco Falcão explicou que a punição do artigo 12 da Lei de Improbidade é geral: engloba toda a administração pública, direta ou indireta, e todos os níveis de governo federal, estadual e municipal. Já a cautelar no caso concreto se restringe apenas ao município de Cristalina (GO). “Tem natureza estritamente inibitória e protetiva”, concordou.

Ministro Og Fernandes destacou que eventuais danos suportados pela empresa durante a proibição serão irreversíveis
Gustavo Lima/STJ

Divergência processual
Abriu a divergência o ministro Og Fernandes, mas com viés processual. Em seu voto, que foi acompanhado pelo ministro Mauro Campbell, apontou que o recurso do MP-GO não rebateu o principal argumento usado pelo TJ-GO para afastar a proibição de contratar com o poder público: a duração da medida.

A preocupação da corte especial foi o fato de eventuais danos experimentados pela empresa durante o período da liminar não poderem ser restituídos. Assim, não há o requisito de irreversibilidade da medida, característica essencial para que se exerça o poder geral de cautela.

“Ademais, se a proibição atinge apenas a pessoa jurídica, é claro que as pessoas físicas, por aquela responsáveis, e que vivem do seu negócio, irão experimentar também eventual prejuízo. Logo, apenas afirmar que o gravame seria temporário, perdurando até o deslinde da ação, e aplicável somente à pessoa jurídica, não tem o condão, repito, a meu ver, de impugnar especificamente o argumento da corte local”, afirmou.

Além disso, o ministro Og Fernandes destacou que o TJ-GO concluiu expressamente que não estavam presentes os requisitos necessários à concessão da medida de urgência. Logo, rever o entendimento demandaria reexame de provas, vedado pela Súmula 7 do STJ.