Fonte: Conjur

Para a caracterização do crime de favorecimento de prostituição ou exploração sexual de adolescente, não é necessária a figura do intermediário ou aliciador. Comete o delito quem aborda diretamente a vítima para a satisfação da própria lascívia.

Ministro Noronha propôs interpretação da norma que melhor se adeque à proteção aos vulneráveis segundo tratados internacionais
Gláucio Dettmar/Agência CNJ

Com esse entendimento, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a embargos de divergência, resultado que mantém a condenação de um réu que procurou voluntariamente as vítimas, adolescentes, e as induziu à prática sexual mediante pagamento.

O julgamento não discutiu a gravidade dos atos, mas o enquadramento da conduta ao que diz o artigo 218-B do Código Penal. A norma pune quem submete, induz ou atrai à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 anos — em teoria, um terceiro aliciador.

O inciso I do parágrafo 2º diz que incorre nas mesmas penas quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 e maior de 14 anos na situação descrita no caput do artigo.

A discussão é se, para cometer o crime do inciso I do parágrafo 2º, o menor já precisa estar na situação do caput do artigo: sendo explorado sexualmente. Isso pressuporia, então, que o terceiro aliciador estivesse agindo para submeter o adolescente à prostituição.

Para a maioria dos ministros da 3ª Seção, a ocorrência do crime só depende que o agente, mediante pagamento, convença a vítima dessa faixa etária a praticar com ele conjunção carnal ou outro ato libidinoso.

Formaram a maioria o relator, ministro Ribeiro Dantas, e os ministros Joel Ilan Paciornik, João Otávio de Noronha, Felix Fischer, Laurita Vaz e Rogério Schietti. Restaram vencidos os ministros Sebastião Reis Júnior e Antonio Saldanha Palheiro.

Interpretação prevaleceu conforme voto do relator, ministro Ribeiro Dantas
Emerson Leal

Interpretação restritiva
O julgamento foi retomado nesta quarta com voto-vista do ministro João Otávio Noronha, que abriu dizendo que o assunto é polêmico, não encontra solução fácil e cujos posicionamentos são embasados por doutrina e jurisprudência ainda não consolidados.

Ainda assim, propôs que a interpretação mais adequada à norma seja a que se coaduna não apenas com as normas constitucionais de proteção aos vulneráveis, como às convenções internacionais ratificadas pelo Brasil sobre o assunto.

“Convenço-me que legislador criminalizou conduta de atrair à prostituição adolescente, especialmente os de vulnerabilidade social e financeira. Não é exigência do tipo penal que a conduta seja praticada para satisfação da lascívia alheia. O tipo abriga, sim, a introdução ou manutenção indevida de adolescente na vida sexual promíscua por meio da prática de conjunção carnal mediante pagamento, conduta que agride ou afasta a dignidade, com inegável prejuízo ao adequado e completo desenvolvimento emocional e psíquico”, disse.

Consequentemente, o explorador sexual não é apenas quem trabalha como intermediário da mercancia dos adolescentes, lucrando, mas também quem, se valendo do poderio financeiro, atrai e induz as vítimas à prostituição.

Voto divergência do ministro Sebastião Reis Júnior indicou que não se dispensa a figura do terceiro agenciador para o crime
Rafael Luz/STJ

Aliciador necessário
Na sessão de julgamento de 9 de dezembro, o ministro Sebastião Reis Júnior expôs o posicionamento oposto ao abrir divergência.

Explicou que o desejo declarado do legislador é que só se puna quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 e maior de 14 anos (inciso I do parágrafo 2º) se a vítima estiver na situação do caput do artigo 218-B: sendo submetida, induzida ou atraída à prostituição ou outra forma de exploração sexual por uma terceira pessoa.

O voto cita doutrina segundo a qual, em suma, o fundamento que baseia a incriminação da prática sexual com adolescentes maiores de 14 anos não é a relação em si, mas exerce-la com um menor que se encontre na condição de vítima de exploração sexual ou prostituição.

“Não vejo como dispensar a figura do terceiro agenciador ou intermediário, até porque a hipótese do caput só se concretiza com sua presença”, entendeu o voto divergente, que restou vencido.