Satisfeita e feliz tomo posse na função de juíza do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão. E qualquer fala aqui desenvolvida deve ser precedida pelo mais nobre dos sentimentos: a gratidão, razão pela qual peço vênia, inclusive às autoridades, aos amigos e aos meus familiares, para agradecer aos membros do Tribunal de Justiça do Maranhão, a confiança e consequente indicação para o cargo do qual hoje tomo posse. Muitíssimo obrigada!

Início agora as saudações de praxe! É com respeito e admiração que cumprimento os membros desta Corte Eleitoral, na pessoa do seu presidente, Des. Cleones Carvalho Cunha, cuja composição de plenário foi um sonho por ele vaticinado ainda na minha posse como juíza, há dezesseis anos. Ressalvo que este evento não lhe concede salvo-conduto para a aposentadoria, pois o Judiciário ainda necessita da sua sabedoria pelas próximas décadas. Aos demais membros, Desembargador Tyrone José Silva, Dr. Welligton Castro, Dr. Gustavo Vilas Boas, Dr. Bruno Dualibe Pinheiro e Dr. Gonçalo de Sousa Filho, sinto-me lisonjeada em dividir esse plenário com os senhores.

Prosseguindo, cumprimento o Desembargador Raimundo Barros. representado o Poder Judiciário; o Procurador Geral do Estado, Dr. Rodrigo Maia, representando o Executivo; a Deputada Helena, representando o Poder Legislativo; o Procurador-Geral de Justiça, Dr. Gonzaga Coelho, na pessoa de quem cumprimento todos os promotores de justiça; o Procurador Regional Eleitoral, Juraci Guimaraes; a todos os meus colegas de profissão, juízes de direito, nas pessoas dos ex-presidentes da AMMA, Ronaldo e Gervásio, e do atual, Ângelo, e da sempre combativa Marilse, com quem muito aprendi no associativismo.

Senhoras e senhores, preciso abrir um espaço para reverenciar as pessoas que dedicaram parte de suas vidas para me possibilitar a vivência deste momento: minha família! Aos meus pais, agradeço-lhes pelo apoio incondicional; e aos meus irmãos, pelo exemplo, e em nome da Fabíola, servidora desta Casa, manifesto minha admiração por todos os servidores deste Tribunal, sobretudo aos lotados nas Zonas Eleitorais, pois sem o trabalho desses senhores nossa democracia não passaria de um sonho.

Preciso registrar, igualmente, a importância do meu companheiro de vida há 24 anos, Paulo, meu grande incentivador e crítico, com quem compartilho meus bens mais preciosos, Paulo Filho e Lara, nossos filhos, nossos amores! Em registro de carinho aos anjos que protegeram minha família nos anos de ausência, realizo uma saudação especial às magistradas, que abdicam do convívio diário dos filhos, para desempenhar a nobre, mas difícil, função de julgar. Sim, nós mulheres juízas conseguimos zelar pelos nossos filhos (medir temperatura de hora em hora nas febres) ainda que separados pelo Estreito dos Mosquitos!

Sigo, cumprimentando os servidores do Poder Judiciário. Cumprimento, ainda, os meus familiares e amigos (de infância, de Marista, da graduação, do mestrado e do trabalho), enfim, os meus amigos de vida. Por fim, cumprimento os advogados presentes, na pessoa do Dr. Carlos Couto, que me ensinou a importância do advogado na preservação da democracia.

Lisonjeia-me a presença de todos, que tornou este dia ainda mais especial e aumentou minha responsabilidade de guardiã da democracia! E o que seria mesmo Democracia? Agrada-me, substancialmente, a sabedoria, mesclada de simplicidade, da resposta do escritor americano Brooks White, ao Conselho de Guerra dos Escritores, nos dias mais tenebrosos da Segunda Guerra Mundial:

Certamente, o Conselho sabe o que é a democracia. É a fila que se forma sem confusão. É o “não” em não empurre. É o furo do saco de cereja que vaza lentamente; é um amassado na cartola. Democracia é a suspeita recorrente de que mais da metade das pessoas está certa mais que a metade do tempo. É a sensação de privacidade na cabine eleitoral, a sensação de comunhão nas bibliotecas, a sensação de vitalidade em toda parte. Democracia é a carta ao editor. Democracia é o placar na nona entrada. É uma ideia que ainda não foi desmentida, uma canção cuja letra não desandou. É a mostarda no cachorroquente e o creme no café racionado. Democracia é um pedido do Conselho de Guerra no meio da manhã, no meio de uma guerra, querendo saber o que é democracia.

Democracia que não se resume a cédulas e votos, por mais importantes que sejam, como defendia Jonh Rawls. Por sua vez, Jonh Stuart conceituava-a como a arte de governar pela discussão; enquanto Amartya Sen, indiano nobel de economia, anteviu-a como meio de superação das injustiças sociais, destacando que nenhuma fome coletiva sucedeu em país democrático.

Ciente que sou da importância histórica da Democracia para a melhoria da condição de vida de nosso povo, integrar esta Corte Eleitoral, um dos seus guardiões, significa muito para mim (mulher, cidadã e juíza), pois é aqui que a Democracia também se consolida e se aprimora, sob a forma de eleições limpas e democráticas, que deságuam num fim nobre e pulsante: a soberania popular.

Portanto, aproveito o tempo (ah, o tempo!), o bem mais precioso da pósmodernidade, para reiterar, perante esta Corte, em cenário que aponta crise do regime democrático em todo mundo, o compromisso de atuar como seu garante.

Na atualidade, infelizmente, o ambiente parece não comportar meros opositores (defensores de ideologias conflitantes), mas autênticos inimigos. A intimidação da imprensa livre e o não reconhecimento do resultado de eleições, são estratégias que permeiam a política destes novos tempos. Rejeitar Constituição ou expressar a disposição de violá-la, restringir direitos civis, recusar resultados eleitorais (práticas que enfraquecem as instituições democráticas), têm se tornado rotina em diversos países.

Esse retrocesso democrático, iniciado com a criminalização da política, tendo por cume o enfraquecimento das instituições, é a marca do século XXI, o mal a desafiar não só cientistas políticos e juristas, mas a população mundial. E é, de fato, preocupante: o resultado das urnas, ainda que sem tanques, pode, influenciado por novas tecnologias (fake news e alogaritmos da multiplicação), reduzir uma democracia real a um “verniz da democracia” (Steven e Daniel).

E o que se desenha assustador ainda pode agravar: cresce, de forma galopante, o quantitativo de jovens dispostos a ceder uma das maiores conquistas da civilização, a Democracia. Preocupemo-nos, senhoras e senhores!!! Uma Democracia pode migrar, num piscar de olhos, para um regime autoritário, bastando ao Poder alterar as regras do jogo eleitoral, suprimir direitos e enfraquecer as instituições. Na pós-modernidade, atentem-se,
as Democracias não mais morrem com tanques, mas em razão da subversão das regras do processo eleitoral.

Defendidas por muitos, as tentativas para alteração das composições das Cortes representam uma ameaça. Não esperemos ditaduras ostensivas, nem suspensão de Constituições ou exílios de políticos. Desconfiem de discurso de combate à corrupção que diminui o Judiciário! Morre a democracia se normas eleitoras são alteradas para permitir a perpetuação no poder; morre a democracia quando os direitos das minorias são restringidos.
Sem normas robustas, os freios e contrapesos constitucionais não servem como bastiões dos regimes democráticos.

E é por essa razão que sem juiz não há sistema, por mais aperfeiçoado que pareça ser, eficiente para assegurar a Democracia. E aqui se exige um julgador imparcial, capaz, inclusive, de decidir contra a vontade popular, desde que necessário para preservar as garantias constitucionais. Erra a imprensa, erram os políticos, erra a sociedade ao esperar que o juiz materialize a vontade da maioria. Não, não e mais uma vez não! É assim que se
instauram os regimes autoritários. Lembremos: o juiz Pilatos optou por agradar a todos no julgamento de Jesus! O tribunal do povo, corte especializada da justiça alemã no nazismo, de igual forma!

O direito nasceu, e sua existência apenas se justifica, para garantir as minorias! Tocqueville, na obra a Democracia na América, não apenas defende a sociedade contra a opressão dos que governam, mas, sobretudo, protege parte dessa mesma sociedade contra a injustiça da outra. A leitura dos artigos Federalistas confirmam ter o Judiciário a função de resguardar as minorias.

E por oportuno, como vice-presidente da AMMA, ressalto a necessidade de manutenção das garantias da magistratura (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos), por entendê-las indispensáveis ao exercício do cargo, conclamando a  sociedade a repensar acerca da importância de um Judiciário forte à garantia dos direitos civis e das liberdades individuais.

Também são (ou deveriam ser) os partidos políticos protetores da democracia. É deles a função de alijar do processo eleitoral extremistas e demagogos; dos defensores da restrição dos direitos civis; dos que negam a legitimidade dos adversários; e dos que toleram a violência.

Tão importante quanto os partidos políticos para garantir a Democracia é a imprensa livre! Talvez seja a imprensa maior barreira que o autoritarismo encontra ao tentar impor-se, por despertar a crítica e a fiscalização dos governantes. Thomas Jefferson, defendia que a imprensa é a melhor garantia de liberdade. No mesmo sentido, o juiz Hugo Black, do afamado caso Watergate, colocava que os pais fundadores deram à imprensa livre
a proteção que ela merece para cumprir seu papel primordial na democracia: servir aos governados, e não aos governantes”.

É fato. A democracia precisa do tripé: tribunais eleitorais, partidos políticos e imprensa livre! Mas também de cidadãos participativos, conscientes de seus direitos e capazes de respeitar os do outro. Daí o necessário e urgente combate à polarização sectária extrema, aquela que transcende as diferenças políticas e invade os conflitos de raça, religião e cultura, por ser o caminho mais rápido ao autoritarismo. A polarização de um povo é, sem
dúvida, a arma mais letal para matar qualquer democracia!

Felizmente, nós, mais de 80% dos brasileiros (FSB), não estamos dispostos a desistir da nossa democracia. Cabe, portanto, a cada um, ou melhor, a todos, juntos, regála diuturnamente. Como? Apoiando os seus guardiões. E aqui, como novo membro desta Corte, ratifico, mais uma vez, o compromisso de resguardá-la em todos os meus atos, pois sou daquelas que acredita que a cura dos males da Democracia é mais, e mais, e sempre
mais Democracia.

Como falar de Democracia sem enfrentar a problemática de gênero? Por certo há avanços na política adotada! Mas se necessita de algo maior! Sem dúvida, a solução passa pela inclusão da mulher na sociedade, na política, nos tribunais, ou melhor, na inclusão de cada menina, do norte ao sul desse país, em espaços de poder e nos quais ela tenha voz.

Vale lembrar que a presença das mulheres nos bancos escolares data de menos de 100 anos. Há apenas cem anos, portanto, eu não poderia integrar esta Corte. O direito ao voto feminino? Só foi reconhecido em 1932. A participação feminina cresce a passos de tartaruga, tanto que a presença no Congresso Nacional põe o Brasil nas últimas colocações em ranking de 190 países.

No Brasil, repito, houve-se criar mecanismo, uma verdadeira política afirmativa, para assegurar a participação mínima de mulheres nas eleições. A lei, porém, não é magia, nem tem o condão de resolver problemas culturais, como bem trabalha Sérgio Buarque, em Raízes do Brasil. Assim, o objetivo maior da lei, inserção das mulheres na política, fracassou. Somos mais de 52% do eleitorado, e nossa representatividade é de apenas 10% no
Congresso Nacional.

A baixa representatividade se repete no mundo jurídico! Apenas em 2000, o STF, interrompeu o exclusivismo masculino e nomeou uma mulher como ministra, após 172 anos de funcionamento. Passadas duas décadas, a inserção das mulheres nos tribunais ainda não é realidade. A cultura de exclusão de gênero, fruto da violência trabalhada por Bourdieu, na obra “O Poder simbólico”, legitima toda a estrutura social de dominação. É tempo, pois, de se repensar a forma de acesso aos cargos de poder, pois a hoje adotada reproduz a estrutura simbólica de uma sociedade machista e patrimonialista.

Senhoras e senhores, o aprimoramento da democracia passa pelo fortalecimento das instituições, já se disse. E não se pode cogitar em instituições sólidas sem a superação da violência de gênero, cabendo, portanto, a esta Egrégia Corte, berço da democracia, contribuir para a superação da desigualdade de oportunidade entre homens e mulheres, particularmente em nosso Estado.

Finalizo minha fala pedindo perdão pelo tempo dedicado a minha escuta, reafirmando meu compromisso de defesa da Democracia como integrante desta Corte Eleitoral. Para isso agirei como o passarinho que, no incêndio da floresta, pega um pouco de água pelo bico e joga nas chamas, na tentativa de apagar o fogo. Sim! Cumprirei minha parte na preservação da nossa democracia, contribuindo para o advento de uma nova era: a era da tolerância mútua, da cooperação entre os povos e do fortalecimento das instituições. Assim, serei aquele passarinho que guarda a Democracia para que, frondosa, conceda como fruto a igualdade de oportunidade para todos os cidadãos, inclusive no processo eleitoral.

Agradeço a presença de cada um, e de forma especial, a cada mulher aqui presente, que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores (Cora Coralina), aqui representadas na figura de mãe, filha, amiga, em sororidade com cada mulher do planeta, e também na figura das servidoras do TRE, que se desdobram, acumulando missões, inclusive a de proporcionar ao cidadão um sistema eleitoral paradigma para países mais desenvolvidos e para as democracias mais maduras.