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Embora não exista previsão legal quanto à aplicação da detração para medidas cautelares alternativas à prisão, o período de recolhimento noturno, por comprometer a liberdade do acusado, deve ser reconhecido para o abatimento.

Com esse raciocínio, reconhecendo a existência de constrangimento ilegal no caso, o ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça, restabeleceu, de ofício, uma ordem de detração de pena em favor de uma ré condenada por estelionato que cumpriu recolhimento domiciliar noturno por quatro anos sem monitoramento eletrônico.

A mulher foi presa em flagrante em fevereiro de 2019. À época, ela era mãe de quatro filhos pequenos. Durante audiência de custódia, foi seguido o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 143.641 (que autorizou prisão domiciliar para grávidas e mães de crianças pequenas). O juiz de primeiro grau determinou a soltura da ré. Apesar da falta de tornozeleira eletrônica, foram impostas diferentes condições, entre elas, o recolhimento noturno.

Em seguida, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) ofereceu denúncia contra ela. Houve condenação, em primeira instância, a três anos, sete meses e seis dias de prisão, em regime inicial fechado. O MP recorreu da decisão. Contudo, os pedidos foram negados tanto pelo TJ-SP quanto pelo STJ. A corte superior, inclusive, redimensionou a condenação para um ano e quatro meses de prisão.

Diante do novo cálculo e de todo o período em curso do caso, a defesa acionou a primeira instância novamente pedindo a detração da pena, o que foi deferido. Um recurso contra o abatimento da pena foi apresentado pelo MP. Desta vez, o TJ paulista acatou a apelação compreendendo que o abatimento seria inviável, pois não houve monitoramento eletrônico da ré. Na decisão, a 9ª Câmara de Direito Criminal alegou. inclusive, que, caso aceitasse a detração, estaria criando jurisprudência de um “inaceitável crédito, caderneta de pena ou conta corrente de período de cumprimento de pena”.

Ao voltar a acionar o STJ, a defesa invocou o Tema 1.155, que diz que “o período de recolhimento obrigatório noturno e nos dias de folga, por comprometer o status libertatis do acusado, deve ser reconhecido como período a ser descontado da pena privativa de liberdade e da medida de segurança, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem”.

Analisando o pedido, o ministro Ribeiro Dantas explicou que o artigo 42 do Código Penal, ao regulamentar a detração penal, prevê que seja computado da pena privativa de liberdade o tempo que o agente tiver sido mantido preso provisoriamente ou internado. “Não se pode dizer que o artigo supra seja numerus clausus, pois se deve considerar como parte do cumprimento da pena, para o fim de detração, o lapso de tempo em que fica o réu privado de sua liberdade, por prisão provisória.”

Por outro lado, lembra o ministro, quando a privação da liberdade não é essencial para a realização do processo ou como garantia de seus resultados, o artigo 319 do Código de Processo Penal prevê a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, sem o rigor do encarceramento. “Consistem em uma ou várias obrigações cumulativas impostas pelo juiz em desfavor do indiciado ou do réu, dependendo da gravidade do crime, das circunstâncias do fato e das condições pessoais do acautelado.”

As medidas cautelares, destaca Ribeiro Dantas, surgem como intermediárias entre a liberdade plena e o encarceramento provisório, restringindo garantias e direitos do réu. “Dessa forma, embora não exista previsão legal quanto ao instituto da detração para medidas cautelares alternativas à prisão, entendo que, no caso concreto, o período de recolhimento noturno, por comprometer o status libertatis do acusado, deve ser reconhecido como período detraído, em homenagem ao princípio da proporcionalidade e em apreço ao princípio do non bis in idem.”

A defesa da ré foi feita pelos advogados Anderson DominguesKarina de Vicenti DominguesGuilherme VazGislaine de OliveiraBruno Cavalcante Dezidério de Carvalho e Pedro Garbelini, todos integrantes do escritório Anderson Domingues Sociedade de Advogados.

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HC 851.614