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Para o Superior Tribunal de Justiça, as Defensorias Públicas podem ser chamadas pelo juiz da causa para acompanhar as audiências que tratam de casos de violência contra crianças e adolescentes. A medida, de acordo com a corte, não viola as prerrogativas do Ministério Público.

Essa conclusão é da 6ª Turma, que validou uma iniciativa do juiz da Vara Especializada em Crimes Cometidos Contra Crianças e Adolescentes da Comarca de Belo Horizonte. O caso foi decidido por maioria de votos.

 

O rito adotado na capital mineira é o de incluir os membros da Defensoria Pública estadual nos procedimentos de escuta especializada — a entrevista feita com o menor para averiguar a situação de violência por ele sofrida.

 

A iniciativa permite que os defensores conheçam cada caso e, se necessário, proponham medidas de proteção ou outras diligências no Juizado da Infância e Juventude Cível da capital mineira. Para o Ministério Público de Minas Gerais, porém, ela viola a prerrogativa de seus membros.

 

O MP-MG entende que é, por definição legal, o substituto processual legítimo para a defesa de crianças e adolescentes nos processos e procedimentos judiciais e extrajudiciais. Logo, não há justificativa ou cabimento para a atuação concomitante da Defensoria Pública.

 

O órgão ajuizou mandado de segurança coletivo para impedir a atuação da Defensoria sem prévio, voluntário e expresso requerimento do ofendido ou de seus representantes legais, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) denegou a segurança.

 

Rede de proteção

A 6ª Turma do STJ seguiu a mesma linha. Relatora da matéria, a ministra Laurita Vaz observou que a atuação da Defensoria Pública não se restringe à representação judicial ou extrajudicial. O órgão tem também o dever de promover os direitos dos grupos vulneráveis de outras maneiras.

 

Além disso, a Lei Complementar 80/1993 atribui aos defensores públicos a função de defender os interesses individuais e coletivos das crianças e adolescentes. E a Lei 13.431/2017 confere ao mesmo grupo acesso à assistência jurídica qualificada, o que está no âmbito da Defensoria.

Para a ministra, a conduta de intimar os defensores para comparecer aos atos de escuta especializada concretiza a necessária integração operacional entre os órgãos do sistema de Justiça, resguardando os melhores interesses da criança.

 

Assim, não é razoável, nem eficiente, impor ao juízo de origem que somente intime defensores públicos para comparecer aos atos quando houver pedido prévio e expresso da vítima. A presença da Defensoria proporciona maior celeridade na adoção de medidas de proteção, de acordo com a magistrada.

 

“Constatado que a assistência às crianças e aos adolescentes vítimas de violência constitui atividade inserida no âmbito de atribuições da Defensoria Pública, é inadmissível que o Ministério Público ou o Poder Judiciário pretendam determinar quais são as prioridades institucionais nas lotações deste órgão dotado de autonomia funcional e administrativa”, concluiu ela.

 

Não faz sentido

Votaram com a relatora os ministros Sebastião Reis Júnior e Antonio Saldanha Palheiro, além do desembargador convocado Jesuíno Rissato. Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Rogerio Schietti, para quem o rito adotado em Belo Horizonte cria uma série de inconvenientes.

 

O principal deles reside na situação de conflito criada. Minas Gerais é um estado que tem número insuficiente de defensores públicos — eles estão presentes em apenas 121 dos 853 municípios mineiros, sendo que há 298 comarcas instaladas por todo o estado.

 

Colocar um desses defensores para representar o menor vítima de violência doméstica, segundo o ministro, significa impedir que ele atue na defesa da pessoa acusada dessa infração penal, caso ela não tenha condições de pagar por um advogado particular.

 

O processo eventualmente ajuizado a partir desses casos terá como autor o Ministério Público, e a Defensoria Pública não tem legitimidade para participar da ação como litisconsorte da acusação. Ou seja, a situação criada em Belo Horizonte acaba causando uma limitação, de acordo com o ministro Schietti.

 

“Sob qual justificativa se poderia determinar a atuação da Defensoria Pública e dizer a priori que essas crianças estão em condições de vulnerabilidade se elas estão numa audiência, na presença de um juiz, que tem o dever de fiscalizar a correta observância dos seus direitos fundamentais, e do Ministério Público, que, além de ter o dever de fiel cumpridor da Constituição e das leis, está ali exatamente para buscar a punição daquele que violou os direitos da pessoa em desenvolvimento, vulnerável?”, indagou ele.

 

Em sua análise, não faz sentido a atuação simultânea de dois órgãos estatais exercendo a mesma função. “Assim, a atuação do defensor público, para o mesmo mister, somente tem razão quando adequadamente justificada.”

 

Portanto, durante a ação penal e em depoimento especial, quando o menor já tem suficiente rede protetiva, não há motivos para estabelecer a atribuição da Defensoria Pública de ofício.

 

“Se validarmos essa iniciativa, estaremos dizendo que, em todos os ofícios jurisdicionais, deverá ser nomeado um defensor público para assistir ao depoimento especial, quando, repita-se, já existe todo um cenário especializado de atendimento, respeito e proteção à criança durante o ato.”

 

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RMS 70.679