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Leis municipais podem proibir a celebração de contratos entre a prefeitura e certos agentes, mas isso não vale para parentes, até o terceiro grau, de servidores municipais que não ocupam cargo em comissão ou função de confiança. Foi o que decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal em julgamento virtual encerrado na última sexta-feira (30/6).
Na sessão, a corte fixou a tese de que as normas municipais podem proibir a participação em licitação ou a contratação somente de agentes eletivos, ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança, seus parentes até o terceiro grau e demais servidores públicos municipais.
Contexto
O caso tem origem em um acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que julgou inconstitucional um artigo da Lei Orgânica do Município de Francisco Sá (MG). O dispositivo proibia parentes até o terceiro grau do prefeito, do vice-prefeito, dos vereadores e dos servidores locais de contratarem com a prefeitura.
Para o TJ-MG, a norma contrariou o princípio da simetria, pois tal proibição não está prevista na Lei de Licitações, na Constituição Federal ou na Estadual. O Ministério Público local recorreu ao STF para contestar a decisão.
Entendimento vencedor
Prevaleceu o voto do ministro Luís Robero Barroso. Ele validou a regra da lei municipal, mas excluiu parte da proibição. Para ele, o dispositivo questionado “foi além do que seria constitucionalmente legítimo proibir”.
Embora as turmas do STF já tenham validado previsões semelhantes das Leis Orgânicas de Brumadinho (MG) e de Belo Horizonte, o ministro ressaltou que, diferentemente da de Francisco Sá, tais normas não alcançavam os cônjuges, companheiros e parentes dos servidores e empregados públicos não ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança.
“Trata-se de vedação mais extensa do que aquelas reputadas constitucionais em precedentes desta corte, já que são incluídos no rol de pessoas proibidas de contratar os cônjuges, companheiros e parentes de quaisquer servidores públicos, sejam eles ocupantes ou não de cargo em comissão ou função de confiança”, explicou.
De acordo com Barroso, o impedimento à contratação com agentes públicos ou pessoas vinculadas a eles se aplica aos casos em que é possível prever “risco de influência sobre a conduta dos agentes responsáveis pela licitação ou pela execução do contrato, a justificar uma espécie de suspeição”.
Mas o ministro afirmou que não se pode “presumir tal suspeição” quando a contratação pública envolve pessoas vinculadas a servidores municipais que não exercem função de direção, chefia ou assessoramento, pois eles não possuem “meios para influenciar os rumos das licitações e contratações do município”.
O magistrado foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, André Mendonça, Luiz Fux, Kassio Nunes Marques, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski (este já aposentado).
Outros votos
Barroso concordou com boa parte da fundamentação da relatora, Cármen Lúcia, mas divergiu parcialmente. A ministra declarou a constitucionalidade da regra de Francisco Sá, mas propôs em sua tese a validade de qualquer proibição relativa aos parentes — até mesmo daqueles ligados aos servidores ressalvados pelo autor do voto vencedor. Seu voto foi acompanhado pelo ministro Edson Fachin.
Em seu voto, Cármen explicou que os municípios têm competência suplementar para legislar sobre licitação e contratos, de forma a atender às suas peculiaridades locais, desde que respeitem as normas gerais estabelecidas pela União.
A relatora também reconheceu a legitimidade da proibição ao nepotismo. Ela citou o inciso IV do artigo 14 da Lei de Licitações, que vedou a participação, em licitação ou execução de contrato, de pessoas vinculadas a dirigentes do órgão ou da entidade contratante, ou a agentes públicos que atuem no procedimento, na fiscalização ou na gestão do contrato.
Já o ministro Alexandre de Moraes votou por validar a proibição, mas ressalvar os vereadores e seus respectivos parentes nos casos em que o contrato obedeça a cláusulas uniformes.
O ministro lembrou que a alínea “a” do inciso I do artigo 54 da Constituição proíbe a contratação para parlamentares federais, “salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes”. Para ele, tal regra também se aplica aos vereadores, “por força do princípio da simetria”.
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RE 910.552