Conjur
Em casos excepcionais, é permitido ao juiz, no momento do recebimento da denúncia, mudar a capitulação dos fatos narrados na peça acusatória, desde que ele vislumbre a possibilidade de o acusado obter benefícios legais.
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado por policiais acusados do crime de tortura, que teria sido cometido no momento da repressão a uma tentativa de rebelião em presídio feminino.
A denúncia foi oferecida levando em conta que os agentes deixaram de usar os meios moderadamente necessários para conter a rebelião. Em vez disso, agrediram as detentas com chutes, golpes de cabo de vassoura e disparos de armas não letais, causando sofrimento físico e mental.
O juízo de primeiro grau rejeitou a denúncia e desclassificou a conduta. Ele entendeu que, se os acusados deixaram de agir com moderação, isso caracterizaria apenas a ocorrência do crime de abuso de autoridade, e não de tortura. A desclassificação para uma conduta mais branda levou à prescrição e à extinção da punibilidade.
Em apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença por entender que magistrado errou o momento de analisar a desclassificação da conduta. No oferecimento da denúncia, segundo a corte, cabe a ele apenas aceitá-la ou rejeitá-la.
Apenas posteriormente, na sentença ou ao fim da instrução probatória, ele poderia dar uma nova definição jurídica ao fato denunciado, em consequência de prova existente ou de infração penal não contida na acusação. É o que indicam os artigos 383 e 384 do Código de Processo Penal.
Relator no STJ, o ministro Antonio Saldanha Palheiro concordou com o TJ-SP. Ele afirmou que a desclassificação da conduta passou pela análise do dolo de torturar as presas, o que não poderia ser analisado no recebimento da denúncia. Melhor deixar seguir a ação para apurar com mais acuidade a conduta, argumentou o magistrado.
Abriu a divergência vencedora o ministro Rogerio Schietti. Ele foi acompanhado pelo ministro Sebastião Reis Júnior, em voto-vista lido na terça-feira (7/2), e também pela ministra Laurita Vaz e pelo desembargador convocado Jesuíno Rissato.
A posição é de que, excepcionalmente, quando a alteração da tipificação implicar modificação da competência do juízo ou possibilidade de o acusado obter benefício legal, é possível ao magistrado, quando do recebimento da denuncia, mudar a capitulação dos fatos narrados na peça acusatória.
É o caso dos autos, em que não se vislumbram elementos suficientes para adequar as ações imputadas aos agentes policiais ao que está prescrito quanto ao crime de tortura. Logo, a desclassificação já no recebimento da denúncia gera benefício ao réu e pode ser excepcionalmente admitida.