O juiz Holídice Barros será empossado no próximo dia 3 de fevereiro para exercer, pela segunda vez consecutiva, o cargo de presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão), biênio 2023/2024. Nesta entrevista, ele faz uma análise sobre o desafio de como foi unir a Magistratura na primeira disputa e sobre as principais conquistas obtidas pela AMMA, com destaque para a atualização dos auxílios que são assegurados pelo CNJ, como o alimentação e o saúde; retribuição pelo acúmulo de trabalho e de funções dos magistrados, e o reconhecimento do direito ao tempo de serviço, dignificando aqueles que estão na carreira há mais tempo, contemplando aposentados e pensionistas.
Holídice também fez uma análise sobre as propostas para a nova gestão que se inicia, falou sobre movimentação na carreira, angústia dos magistrados diante da cobrança da sociedade e dos órgãos correicionais para a produtividade extrema; sobre o cenário de hiper litigiosidade; trabalho remoto e várias outras questões que dizem respeito ao Judiciário.
Segue a entrevista:
AMMA – O senhor foi eleito com tranquilidade para novo mandato com amplo apoio dos associados e associadas. Diante deste panorama positivo, pode-se afirmar que a gestão que se encerra foi marcada por muitas conquistas associativas?
Holídice Barros – Nosso primeiro mandato foi precedido de uma disputa muito acirrada entre os colegas, o que acabou gerando um forte desgaste e uma desunião no âmbito da própria Magistratura. Olhando para o passado, vejo que a disputa que enfrentamos, apesar de dolorida, foi muito saudável e gerou frutos positivos para a Magistratura do Maranhão, na medida em que nosso grupo pode fazer uma profunda reflexão sobre o destino que tomaríamos dali em diante. A democracia é isso; é difícil e barulhenta mesmo. E quem se dispõe a conduzir uma entidade de classe deve estar preparado para críticas, questionamentos e para uma oposição, que é natural no processo de escolha dos líderes.
Passado aquele primeiro momento, tivemos que olhar para frente, com responsabilidade, tentando apaziguar o coração, firmes na responsabilidade de que trabalharíamos para todos e não apenas para os que nos elegeram.
Nesse sentido, o vetor principal do nosso trabalho foi resgatar a autoestima dos Magistrados, por meio da valorização do seu trabalho e da valorização de suas prerrogativas. Dialogamos com todos e abrimos as portas para que magistrados e magistradas pudessem participar da nossa gestão.
AMMA – Quais as conquistas mais importantes obtidas na gestão 2021/2022 e como foram alcançadas?
Holídice – Foram muitas as conquistas obtidas na nossa gestão, em diversos planos. Mas, por justiça, devo dizer que boa parte delas já estava sendo gestada na Presidência do colega Ângelo, do qual fui um de seus vice-presidentes, que trabalhou incansavelmente para a sua implementação. Tínhamos a consciência de que deveríamos dar continuidade ao bom trabalho da gestão anterior e deixar nossa marca, trazendo ainda mais conquistas.
No eixo de valorização da carreira destaco a atualização dos auxílios que são assegurados pelos CNJ, como o alimentação e o saúde; implementamos a retribuição pelo acúmulo de trabalho e de funções dos magistrados, haja vista que a Magistratura estava e ainda está atuando em evidente sobrecarga de trabalho e não estava sendo reconhecida por isso, mas agora está. Por último, obtivemos o reconhecimento do direito ao tempo de serviço, dignificando aqueles que estão na carreira há mais tempo, contemplando aposentados e pensionistas. Enfim, tentamos atender e acomodar todas as demandas da classe pelo reconhecimento à árdua e valorosa missão de julgar, que impõe uma série de restrições e vedações, que não guarda paralelo em nenhuma outra carreira jurídica.
Também trabalhamos incessantemente na defesa das prerrogativas da Magistratura, com forte atuação da nossa assessoria jurídica para que os Magistrados pudessem trabalhar com tranquilidade e independência. Lutamos pela melhoria das condições de trabalho, com a criação de cargos de assessores e incremento da força de trabalho, além da entrega de material necessário para o cumprimento do exercício jurisdicional, como notebooks e computadores para as unidades judiciais.
Houve também uma importante movimentação da carreira e reestruturação das entrâncias, com a elevação das Comarcas de Imperatriz, Caxias e Timon, que contou com a efetiva participação da AMMA, que ofereceu sugestões ao projeto original, para acomodar o interesse dos Magistrados que seriam diretamente afetados. Atuamos pela criação e instalação de novas unidades e novos cargos, o que, igualmente, possibilitou a movimentação na carreira.
AMMA – Quais as prioridades da nova gestão da AMMA para o biênio 2023/2024?
Holídice – Vamos nos manter vigilantes em defesa das prerrogativas e tentar aprofundar as conquistas. Há ainda muito por fazer, como por exemplo, corrigir a distorção daquela situação em que o colega atua em três ou até quatro unidades, mas recebe a compensação apenas por uma delas, o que se deve especialmente em razão do déficit de juízes no Estado. Nesse pormenor, também atuaremos para a nomeação breve dos novos magistrados, no concurso que se encontra em andamento. Mas sem dúvida, a nossa maior prioridade para o próximo biênio é trabalhar pela readequação da força de trabalho no primeiro grau. A Magistratura encontra-se exaurida diante do excesso de litigiosidade que precisa debelar em seu dia a dia. Hoje é comum encontrarmos unidades que julgam 300 ou 400 ações todo mês, cerca de 10 ou mais sentenças por dia. Isso não acontece em nenhum outro país do mundo. O Judiciário preocupou-se muito com a questão da eficiência nos últimos anos e esqueceu-se da porta de entrada, ou seja, como racionalizar o ingresso das ações, para que o Judiciário não seja a única via da solução de litígios.
Sem dúvida, todos querem um Judiciário célere, mas precisamos estar atentos e vigilantes para o aspecto qualitativo das nossas decisões judiciais, que hoje impactam as questões sociais, econômicas e políticas. Para isso, é preciso dotar o Judiciário de um quadro apropriado de servidores que possam auxiliar o Magistrado no descongestionamento das unidades.
Pretendemos também nos associar à luta nacional, junto à AMB para buscar melhorias para a prestação jurisdicional e reconhecimento do papel do Judiciário como fiador da Democracia. Teremos na figura do nosso ex-presidente Ângelo, atual vice-presidente da AMB, um importante parceiro nessa luta.
AMMA – Qual a importância do associativismo no âmbito da Magistratura para a consolidação de mais conquistas e o fortalecimento do Poder Judiciário?
Holídice – O associativismo tem sido o principal, senão o único caminho para a defesa das prerrogativas e reestruturação da carreira dos magistrados. Observe que os juízes de primeiro grau não participam da eleição do Presidente do Tribunal e muitas vezes há uma divergência entre as prioridades que são assumidas pelo Tribunal e pelo que a Magistratura de primeiro grau entende como relevante. Esse distanciamento e essa distorção são reparados exatamente pelo movimento associativo, que garante a participação de toda a Magistratura na formulação das políticas definidas pelo Tribunal. Além disso, em razão da vedação imposta à Magistratura de participar da vida política, é a Associação que dá voz aos magistrados e participa dos debates sobre projetos de Lei que impactam os serviços judiciários e a carreira, nos foros próprios, em especial na Assembleia Legislativa local e no Congresso Nacional.
AMMA – Na sua gestão, assim como de presidentes anteriores, a AMMA foi incansável na defesa da reestruturação da carreira da Magistratura, principalmente no que diz respeito ao reajuste dos subsídios. Por que essa pauta é tão importante para os magistrados brasileiros?
Holídice – A reestruturação da carreira passa por diversos aspectos, como a questão do incremento da força de trabalho; racionalização e modernização dos serviços judiciários e movimentação da carreira. Mas, de fato, a política de atualização dos subsídios é um tema muito importante para a Magistratura. Isto é assim, porque os juízes e juízas vivem exclusivamente dos seus subsídios. Trata-se da carreira à qual se impõe o maior número de vedações e não só profissionais, mas também da vida civil. O magistrado não tem possui as mesmas liberdades do cidadão comum e isto é feito em nome e pelo bem da jurisdição, que deve preservar a sua imparcialidade no julgamento dos processos. Recentemente, pudemos observar, no período das eleições, uma série de regulações que determinavam aos magistrados que se abstivessem de fazer comentários sobre política em redes sociais, inclusive com casos de suspensão de perfis.
Além disso, a carreira é longa e muito desgastante e o magistrado possui uma grande responsabilidade social, tanto do ponto de vista da entrega de uma prestação jurisdicional eficiente, quanto da obrigação que recai sobre si de comportar-se de acordo com a dignidade do cargo. Especialmente nas comarcas menores, é difícil separar a vida pessoal da vida profissional do Magistrado.
Por último, é preciso ressaltar que diante do avanço do protagonismo do Judiciário, chamado inclusive a formular políticas públicas, na conformidade da Constituição, requer-se do magistrado e da magistrada um conhecimento enciclopédico, com constante atualização na sua formação acadêmica.
A Magistratura é uma carreira que deve encher de orgulho a todos que ostentam a toga, mas é também uma carreira à qual se impõem restrições e fardos, que tem afastado muitos profissionais do direito, que acabam optando por outras carreiras ou acabam abandonando a judicatura para iniciativa privada.
Quando lutamos pela atualização dos subsídios, o que pretendemos, em última análise, é valorizar a carreira e atrair os melhores quadros para a Judicatura, o que é inclusive do interesse da própria sociedade, que certamente quer ter seus processos julgados pelos profissionais mais capacitados intelectual e emocionalmente.
AMMA – Está nos planos da nova gestão a construção de novos espaços de lazer na sede social e esportiva?
Holídice – Durante nosso primeiro biênio, conseguimos fazer o sistema de drenagem do campo de futebol, cuja ausência restringia sobremaneira seu uso. Também construímos uma moderna quadra de areia para esportes como beach tennis, beach vôlei e futevôlei. Também modernizamos o nosso restaurante. Para o próximo biênio temos muitos planos para a nossa sede, como a construção de um espaço gourmet próximo à área da piscina, além da modernização de nossa quadra poliesportiva, mas faremos tudo com responsabilidade financeira e orçamentária.
AMMA – No atual momento brasileiro, quais os problemas que mais inquietam os juízes e qual o papel desempenhado pela Associação dos Magistrados do Maranhão para corresponder aos anseios da Magistratura?
Holídice – Acredito que a dificuldade na movimentação da carreira e a cobrança da sociedade e dos órgãos correicionais para a produtividade extrema é algo que tem causado muita angústia para a Magistratura, diante deste cenário de hiper litigiosidade e de falta de servidores. O trabalho remoto, que favoreceu a toda a sociedade, tem imposto aos magistrados uma carga de trabalho praticamente ininterrupta. Vamos trabalhar muito para reverter esse quadro, para que a Magistratura continue dando a resposta que a sociedade espera, mas que os magistrados possam ter uma melhor qualidade de vida.