O negócio que ensejou a transferência de propriedade do imóvel e, por conseguinte, a tributação pelo ITBI não se concretizou em caráter definitivo devido à superveniente declaração de nulidade por sentença judicial transitada em julgado.
O fisco questionou decisão da Segunda Turma do STJ alegando que, mesmo na hipótese de anulação posterior do negócio, o imposto seria devido, e invocou como paradigma um acórdão divergente da Primeira Turma (REsp 1.175.640). Por unanimidade, a seção corroborou o acórdão da Segunda Turma e manteve a condenação imposta ao fisco de devolver o valor do ITBI.
De acordo com o relator, não tendo havido a transmissão da propriedade, já que era nulo o negócio de compra e venda, não há fato gerador do imposto, nos termos do artigo 156, inciso II, da Constituição, e do artigo 35, incisos I, II e III, do CTN, “sendo devida a restituição do correspondente valor recolhido pelo contribuinte”.
Valor de venda ou valor de arrematação?
A transferência de propriedade tributada pelo ITBI pode envolver imóvel arrematado em leilão judicial, o que trouxe para o STJ a discussão sobre a base de cálculo em tais hipóteses. No REsp 1.188.655, em 2010, a Primeira Turma debateu se a base de cálculo do imposto seria o valor da arrematação ou o valor de venda do imóvel – uma diferença significativa, tendo em vista que imóveis leiloados podem ser arrematados por preços bem inferiores aos de mercado.
O relator, ministro Luiz Fux (hoje no STF), destacou que, embora continuassem a chegar ao STJ recursos contra decisões que aceitavam o valor venal como base de cálculo, o entendimento do tribunal, desde 1990, apontava para o valor da arrematação judicial.
O ministro citou dois precedentes nos quais o assunto foi debatido com profundidade, o REsp 863.893, relatado pelo ministro Francisco Falcão em 2006, e o REsp 2.525, relatado pelo ministro Armando Rollemberg (falecido) em 1990. No primeiro desses dois casos, a dúvida sobre a base de cálculo estava entre o valor da arrematação e o valor da avaliação judicial prévia ao leilão.
“No caso concreto – de arrematação judicial do bem imóvel –, o tribunal a quo manifestou-se no sentido de que a base de cálculo do ITBI é o valor da avaliação judicial. Nos termos da jurisprudência supracitada, todavia, tal posicionamento não deve prevalecer, porquanto não há que se falar em registro da transmissão do imóvel quando da avaliação judicial”, explicou o ministro ao citar casos mais antigos, como o REsp 2.525 – o primeiro sobre o assunto.
Neste, o ministro Armando Rollemberg ratificou as razões apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF), segundo as quais a arrematação é uma forma de venda que se processa judicialmente e permite a aquisição de imóveis por preço inferior ao da avaliação. O relator afirmou que o valor atribuído não é o valor alcançado na venda, e não há lógica jurídica que permita a prevalência do valor de avaliação para servir como base de cálculo do tributo.
Desde esse precedente, o STJ decide no sentido de considerar o valor da arrematação como base de cálculo do ITBI – entendimento confirmado, mais recentemente, no AgInt no AREsp 2.050.401, no AREsp 1.542.296 e no AREsp 1.425.219.
Ônus da prova para afastar imunidade tributária
Ao analisar o AREsp 444.193, a Segunda Turma ratificou o entendimento do tribunal segundo o qual, havendo dúvida sobre a real destinação do imóvel, para fins de aplicação da imunidade tributária, cabe à Fazenda Pública apresentar prova de que seu uso estaria desvinculado da finalidade religiosa.
No caso julgado, o fisco municipal questionou se alguns terrenos seriam mesmo para templos adventistas, buscando a cobrança do ITBI na transação. Isso ocorreu após a igreja adquirir imóveis no município e pleitear administrativamente a imunidade tributária.
Em primeira instância, o pedido da igreja foi julgado improcedente, ante a ausência de provas de utilização dos terrenos para a construção de templos. O tribunal estadual reformou a sentença, dando razão à instituição religiosa.
No STJ, o município questionou a decisão, sustentando que não havia provas do uso dos terrenos para a finalidade religiosa, razão pela qual seria devido o recolhimento de ITBI.
O relator, ministro Mauro Campbell Marques, lembrou que havia presunção relativa de veracidade nas declarações da igreja. Assim, segundo ele, caberia à Fazenda Pública, nos termos do artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil, apresentar prova de que os terrenos estariam desvinculados da destinação institucional.
O ministro citou precedentes do tribunal no mesmo sentido. Um deles, de 2007 (Ag 849.285), tratou de controvérsia similar com entidades que gozam de imunidade tributária, porém relacionada ao IPTU. Em qualquer caso, para o STJ, existindo alguma contestação sobre a utilização de imóveis por instituição beneficiada pela imunidade tributária, cabe ao fisco competente produzir a prova.
Alienação onerosa para coproprietário
No REsp 722.752, a Segunda Turma discutiu o caso de quatro coproprietários de seis imóveis urbanos, que extinguiram parcialmente a copropriedade para que cada um deles passasse a ser o único titular de um imóvel. Nessa situação, como ficaria o ITBI?
No recurso relatado pelo ministro Herman Benjamin, o colegiado deu razão ao fisco municipal, que pedia o recolhimento do tributo. Ele comentou que, ao contrário do que entendeu o tribunal estadual, não houve a mera dissolução do condomínio, já que cada coproprietário adquiriu dos demais os 75% do imóvel que não lhe pertenciam.
“O ITBI deve incidir sobre a transmissão desses 75%. Isso porque a aquisição dessa parcela se deu por alienação onerosa: compra (pagamento em dinheiro) ou permuta (cessão de parcela de outros imóveis)”, explicou.
De acordo com o ministro, em razão do reconhecimento de que cada imóvel deve ser tributado de forma autônoma, o STF não permitiu que os municípios considerassem como uma universalidade todos os imóveis de um contribuinte, para fins de progressividade das alíquotas.
“Ora, se o município não pode considerar o conjunto de imóveis uma universalidade, para fins de cobrança do IPTU, não teria sentido admitir que o contribuinte possa fazê-lo, com o intuito de pagar menos ITBI”, disse o relator.