Migalhas
A 3ª seção do STJ, por unanimidade, entendeu que no crime de estelionato, não havendo as hipóteses descritas no parágrafo 4º do artigo 70 do Código de Processo Penal (CPP), a competência para julgamento deve ser fixada no local onde o agente obteve, mediante fraude, em benefício próprio ou de terceiros, os serviços custeados pela vítima.
Segundo o dispositivo, alterado pela lei 14.155/21, nos crimes de estelionato praticados mediante depósito, emissão de cheques sem fundos ou com o pagamento frustrado, ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima e, em caso de pluralidade de vítimas, será fixada pela prevenção.
A decisão veio após o colegiado analisar conflito de competência instaurado entre a 4ª vara Criminal de Brasília e o juízo de direito criminal do Foro Central de Barra Funda, em São Paulo, nos autos de inquérito destinado a apurar estelionato contra uma empresa do ramo de turismo.
Segundo as investigações, um ex-funcionário teria simulado contratos de parceria com outras empresas para a compra de passagens aéreas – tanto para uso próprio quanto para repasse a terceiros – e para a reserva de veículos e hotéis.
A empresa de turismo fica em Brasília, mas o ex-funcionário trabalhava na filial de São Paulo, onde os golpes teriam sido praticados com a ajuda de outros dois réus, também residentes em municípios paulistas.
Local onde a vítima sofreu prejuízo ou local em que se consumou a infração
Finalizadas as investigações em São Paulo, o delegado representou ao juízo estadual pelo envio dos autos à Polícia Civil do DF, sob o fundamento de que a empresa vítima tem sede na capital do país e é correntista de agência bancária situada na mesma cidade.
O Ministério Público de São Paulo também se pronunciou pela remessa dos autos ao juízo criminal do DF, mencionando precedentes da 3ª seção do STJ no sentido de que o delito de estelionato pelo sistema bancário se consuma no local em que ocorre o efetivo prejuízo à vítima – ou seja, na localidade da agência onde a vítima possuía conta (CC 142.934, CC 147.811 e CC 143.621).
O juízo paulista, acolhendo o parecer do MPSP, determinou a remessa do feito para o DF, cujo juízo suscitou o conflito, sob o argumento de que a competência deve ser determinada pelo lugar em que se consumou a infração. Segundo o juízo do DF, a lei 14.155/2021 fez alterações na competência apenas em relação aos casos de “estelionato eletrônico”, mas o inquérito envolvia hipótese de crime praticado em seu modo clássico.
Lei 14.155/21 eliminou controvérsia sobre competência para julgar estelionato
Relator do processo no STJ, o ministro Joel Ilan Paciornik destacou que o tribunal já enfrentou divergências relativas à competência para julgar crimes de estelionato, especialmente os praticados mediante transferências e depósitos bancários – modalidade cada vez mais frequente em razão do aumento de compras e outros negócios pela internet.
Porém, ele ressaltou que a controvérsia levantada pelos juízos envolvidos no conflito de competência deixou de existir após a edição da lei 14.155/2021, pois ficou definido a quem cabe julgar o estelionato nas situações específicas descritas pelo legislador – as quais não ocorreram no caso em discussão, já que não há informação sobre transferências bancárias ou depósitos efetuados pela empresa vítima, nem sobre cheques sem fundos.
De acordo com o ministro, a 3ª seção do STJ decidiu recentemente que, nas situações não contempladas pela nova lei, deve prevalecer a competência do juízo do local do eventual dano.
Dessa forma, o relator concluiu pela competência do juízo de direito criminal do Foro Central de Barra Funda, visto que o estado de São Paulo foi o local em que o réu obteve, mediante fraude, em benefício próprio e de terceiros, os serviços custeados pela vítima.