Fonte: Conjur
Embora o Código de Processo Civil admita que o juiz determine, de ofício, produção probatória para se aproximar ao máximo da verdade substancial, o juízo de conveniência quanto às diligências necessárias é exclusivo do julgador e depende da existência de um mínimo de convicção quanto aos fatos narrados.
Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado pelo Ministério Público Federal no âmbito de uma ação civil pública que visava condenar empresas fornecedoras de gases industriais pela suposta prática de preços abusivos, formação de cartel e controle concentrado em hospitais do Rio de Janeiro.
Segundo o MPF, White Martins e AGA S/A cometeram infrações contra a ordem econômica no final da década de 90. A ação civil pública foi ajuizada em 1999.
A prática já vinha sendo investigada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Apenas em 2010 o órgão condenou as empresas — junto com outras investigadas — a pagar multa bilionária pelo chamado “cartel dos gases”, o qual teria ocorrido desde 2001.
Para a Justiça Federal da 2ª Região, a condenação de 2010 do Cade sobre fatos que ocorreram a partir de 2001 não serve para embasar a ação do MPF, pois a denúncia trata de período anterior. Em primeiro grau, as empresas foram absolvidas por falta de provas.
O MPF sequer recorreu. Ainda assim, o caso foi enviado ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região em remessa necessária — regra do CPC que garante o duplo grau de jurisdição para casos decididos contra a União, o estado, o Distrito Federal e os municípios, bem como suas autarquias e fundações de direito público.
Foi no TRF-2 que o MPF, na condição de custos legis (fiscal da lei) passou a sustentar que, diante da ausência de provas, o magistrado da causa deveria ter requerido a juntada dos elementos de prova do processo administrativo que o Cade usou para, só em 2010, multar as empresas pela formação de cartel.
A culpa é do juiz?
A tese do MPF é que o juízo de primeiro grau desrespeitou o artigo 130 do CPC de 1973, vigente à época do ajuizamento da ação civil pública. A norma diz que “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”. No CPC de 2015, está reproduzida no artigo 370.
O TRF-2 não se convenceu. Apontou que era função do MPF instruir adequadamente o feito, o que não fez. E ressaltou que sequer apelou da sentença, “acomodando-se com a improcedência, malgrado a evidente gravidade dos fatos narrados, em desfavor da coletividade, pela qual deveria zelar”.
Relator no STJ, o ministro Mauro Campbell Marques destacou que, de fato, as regras processuais brasileiras apontam para o dever do magistrado de evitar o non liquet — do latim “não está claro”, ou seja, evitar que uma causa não seja julgada por conta de lacunas na reconstrução dos fatos.
“Contudo, essa presunção não é absoluta, devendo, pois, ater-se às hipóteses nas quais, diante de um mínimo juízo de convicção quanto aos fatos narrados, a insuficiência de provas impede que se encontre uma resposta jurídica para o julgamento”, explicou.
Assim, apontou que não há como responsabilizar o magistrado por solicitar diligências que uma das partes deixou de requerer a tempo. O CPC admite que o juiz tome essa atitude de ofício, mas o juízo de conveniência é exclusivo do julgador.
Segundo o ministro Mauro Campbell, ao solicitar diligências de ofício, o magistrado deve ter como referência alguns pontos: mínima certeza da prática delituosa; existência de elementos probatórios que indicam a prática de infração, ainda que mínimos; e a ativa atuação do autor da ação.
“Deixar de apresentar documentos já conhecidos ao tempo da ação e atribuir responsabilidade instrutória ao magistrado, repito, fere de morte os deveres anexos da boa-fé objetiva na seara processual”, criticou o relator.
A conclusão foi acompanhada por unanimidade na 2ª Turma. Votaram com o relator os ministros Assusete Magalhães, Herman Benjamin e Og Fernandes.