Fonte: Conjur
A simplicidade e a oralidade, que marcaram a fundação dos juizados especiais, foram aos poucos se perdendo em meio a um formalismo crescente. Com isso, esse tipo de prestação jurisdicional se descaracterizou, e corre o risco de se tornar anacrônico, se não passar por uma transformação profunda.
Em linhas gerais, esse foi o raciocínio apresentado pela ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, durante o Encontro Estadual dos Juizados Especiais, promovido na última quinta-feira (17/6) pela Corregedoria Geral da Justiça, com apoio do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA) e da Escola Superior da Magistratura (ESMAM).
Nancy sugere um tipo de mecanismo totalmente local, criado pelo Poder Judiciário de cada Estado, atento às suas peculiaridades. “É hora de pensar e idealizar uma nova forma de julgar após a rica experiência adquirida nos juizados especiais. Quem sabe, um novo modelo de juizado, um novo procedimento que seja primoroso no atendimento dessa nova plêiade de conflitos e que auxilie, também, no desafogamento dos juizados especiais, que já mostram sinais de assoberbamento. Um juizado totalmente oral e simples, que não se aproxime sequer das sombras das regras contidas no Código de Processo Civil”, disse.
Na visão da ministra, as formas processuais transformam a espera do cidadão em uma verdadeira ‘via crucis’, que morrem, não raras vezes, antes da conclusão do processo.
“Tenho ouvido, reiteradamente há algum tempo, críticas aos nossos juizados especiais no sentido de que está descaracterizada a sua especialidade e o procedimento sumaríssimo adotado pela Lei 9.099. O microssistema dos juizados foi impregnado pelos efeitos, reflexos e algumas idiossincrasias do Código de Processo Civil. E, assim procedendo, leva à desvalorização do próprio movimento que conduziu e justificou a sua criação”, avaliou.
“A simplicidade e a informalidade, que deveriam pautar o procedimento sumaríssimo, foram aos poucos desaparecendo nas brumas inexoráveis do tecnicismo e formalismo que emanam do Código de Processo Civil.”
Simplicidade e oralidade
A ministra enfatizou que o Poder Judiciário, em matéria de jurisdição, foi salvo pelo trabalho prestado pelos juizados especiais. “Mas é preciso estarmos atentos ao novo e diferenciado momento. Há algo para ser feito e o que proponho é convidá-los a uma reflexão. Há sim, um outro meio, menos complicado, mais avançado de prestar a jurisdição. Pensemos na oralidade e, acima de tudo, na simplicidade.”
“Nós ainda não aprendemos, completamente, o que quer dizer oralidade e simplicidade, princípios que, me perdoem, não foram cumpridos com efetividade pelos juizados especiais. Transformação é a palavra que nos convoca”, ponderou, convidando a fazer um projeto-piloto de uma Justiça verdadeiramente oral e simples.
Por fim, Nancy Andrighi ressaltou que os juízes que atuam nos juizados especiais no Maranhão estão de parabéns. “Tenho a certeza de que o retorno do esforço, dessa dedicação, virá em valores espirituais, a cada um e a todos vocês”, falou, concluindo que somente se envelhece quando se perde a capacidade de aprender.
Transformação digital
O evento apresentou palestras de especialistas convidados e debates de magistrados em grupos temáticos de trabalho nas áreas cível, criminal e fazenda pública sobre o tema “Pandemia e os seus reflexos nos juizados especiais e outros desafios atuais”. O corregedor-geral da Justiça, desembargador Paulo Velten, fez a abertura da palestra, e a juíza Lavínia Coelho apresentou a ministra.
Além de defender um novo modelo de juizados, Nancy Andrighi comentou as críticas que recebeu por adotar o sistema ‘skype’ para atendimento junto aos advogados há mais de dez anos, no STJ.
“Fui intensamente criticada por adotar tal sistema. Eu sei que pretender realizar mudanças no seio da comunidade jurídica é algo que precisa de preparação psicológica, pois certamente surgirão obstáculos e será alvo de muitas críticas, mas me submeti e insisti na ousadia. É nosso dever e nossa obrigação acreditar que podemos recuperar o tempo perdido na evolução adequada da modernização do Poder Judiciário. E não se trata apenas de tecnologia, mas também passa pela mente e pelo coração de todos nós que integramos este glorioso poder”, explicou.
Para Nancy, a transformação do Judiciário para o digital só é possível se aqueles que o integram não continuaram utilizando procedimentos arcaicos na hora de julgar. “Nessa jornada de perseverar nas ideias de modernização do Poder Judiciário, eu aprendi que tudo o que se faz com dedicação e altruísmo pela instituição que trabalhamos, o resultado um dia virá. E eu vivi para ver o resultado de minha ousadia em implantar este método de atendimento aos advogados.”
“De forma absolutamente inesperada veio a pandemia e, com ela, a mudança profunda de determinados atos judiciais, como o atendimento aos advogados e a realização das sessões de julgamento. E hoje eu vejo, realizada e feliz, os ministros atendendo advogados via plataforma digital”, destacou, frisando que este foi um benefício trazido pela pandemia.
No final da palestra, Paulo Velten comentou os pontos abordados pela ministra. “Fomos privilegiados em receber essa palestra. Nancy é uma juíza muito jovem porque traz exatamente essa juventude na sua alma, pela forma como aborda todos esses temas sempre com brilho nos olhos e muito entusiasmo. A ministra mostrou a todos uma visão inovadora, uma visão digital do Poder Judiciário que não é compatível com o comportamento analógico. A reforma tem que ser de atitude”. Com informações da assessoria de comunicação da Corregedoria Geral da Justiça do Maranhão.