Fonte: STJ
As inovações da Lei 13.694/2019 (pacote “anticrime”) tornam absolutamente inviável que o juiz, de ofício, converta em preventiva a prisão em flagrante. Ela só pode ocorrer a requerimento do Ministério Público ou por representação da autoridade policial.
Com esse entendimento e por maioria de votos, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a recurso em Habeas Corpus para invalidar a conversão automática feita pelo Judiciário, após prisão de suspeito em flagrante. O resultado deve ordenar o entendimento das turmas que julgam matéria penal na corte.
Como mostrou a ConJur, havia divergência. Prevaleceu o entendimento da 5ª Turma, que é também o mesmo da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, além de monocráticas, todas no sentido de proibir que a conversão ocorra sem manifestação do Ministério Público ou da autoridade policial.
Votaram nesse sentido o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, acompanhado dos ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas, João Otávio de Noronha e Joel Ilan Paciornik – este, autor do voto-vista que reiniciou o julgamento nesta quarta-feira (24/2).
Ficaram vencidos os três ministros que, na 6ª Turma, formavam a maioria pela possibilidade da conversão de ofício: Rogerio Schietti, Antonio Saldanha Palheiro e Laurita Vaz. Não participou do julgamento o ministro Felix Fischer.
Interpretação “anticrime”
A problemática reside na nova redação dada ao artigo 311 do Código de Processo Penal, pelo “pacote anticrime”. A norma agora diz que, em qualquer fase da investigação ou do processo, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou por representação da autoridade policial.
Para a maioria, mesmo que o inciso II do artigo 310 do CPP, que trata da audiência de custódia, permita converter a prisão em flagrante em preventiva se presentes os requisitos do artigo 312 e se outras cautelares se revelarem insuficientes, é preciso que haja alguma representação.
Assim, a não ocorrência da audiência de custódia por qualquer razão ou eventual ausência do representante do Ministério Público não autoriza que o juiz converta a prisão sem que haja o pedido — pedido este que, inclusive, pode ser formulado independentemente da audiência.
“A prisão preventiva não é consequência natural da prisão em flagrante”, destacou o ministro Sebastião Reis Júnior. Para ele, as mudanças do pacote “anticrime” impõem ao Ministério Público e à autoridade policial a obrigação de se estruturarem de modo a atender os novos deveres impostos.
Vai adiantar?
Quando começou o julgamento, a divergência na 3ª Seção enveredou também por uma análise das consequências da proibição da conversão. A indagação seria sobre o efeito de proibir a iniciativa do juiz, mas não a iniciativa de pedir a iniciativa. Bastará solicitar manifestação do MP ou da autoridade policial.
Será essa simples manifestação de vontade suficiente para, num passe de mágica, autorizar o juiz a decretar a prisão preventiva do autuado? Não seria melhor exigir maior esforço argumentativo e melhor técnica decisória do magistrado para legitimar a supressão da liberdade do investigado?”, acrescentou o ministro Schietti.
Para o ministro Antonio Saldanha Palheiro a tese é correta. Mas, na trincheira dos juízos criminais pelo Brasil, se tornará uma temeridade, porque não considera que um magistrado vá simplesmente chancelar a soltura de um criminoso perigoso diante da ausência de manifestação.
No debate, na ocasião, o ministro João Otávio de Noronha deu o tome do posicionamento vencedor. “Não cabe ao juiz ficar suprindo as falhas e ausências do Ministério Público”, opinou. “Nós não podemos substituir a inércia eventual do Ministério Público e da polícia”, disse. “A lei anticrime não alterou o CPP para que as coisas continuassem como estavam”, complementou.