FONTE: CONJUR
O descumprimento do artigo 107 do Código de Processo Penal — quando a autoridade policial deixa de afirmar sua própria suspeição no inquérito — não gera a nulidade o processo judicial por si só, sendo necessária a demonstração do prejuízo suportado pela parte ré.
Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu manter a condenação de um homem, decorrente de investigação feita por delegado da Polícia Civil de Roraima que, em meio a interceptações telefônicas, encontrou indícios de que o próprio pai estava envolvido no crime.
O caso trata de procedimento investigatório criminal (PIC) instaurado pelo Ministério Público de Roraima para investigar denúncia anônima de esquema de exploração sexual de adolescentes.
As investigações foram conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), conduzidas por um promotor de justiça e com auxílio de agentes da Polícia Civil. Um desses é o delegado que omitiu a própria suspeição.
Em uma das interceptações telefônicas da qual participou, esse policial civil encontrou indícios de que o próprio pai, delegado aposentado, manteve contato com a rede de prostituição, aparentemente combinando um encontro de natureza sexual com uma das adolescentes aliciadas.
Apesar disso, não foram conduzidas investigações posteriores sobre seu possível envolvimento. O delegado omitiu essa informação, motivo pelo qual a defesa só soube do ocorrido após o trânsito em julgado da ação penal. Por isso, ajuizou revisão criminal, negada pelas instâncias ordinárias.
Conduta questionável
Relator do processo no STJ, o ministro Ribeiro Dantas reconheceu que a continuidade do delegado no caso foi questionável e que houve omissão do Ministério Público, pois não investigou a participação do pai dele no crime.
Também destacou que, após esse episódio, o delegado parou de assinar pedidos de prorrogação das interceptações telefônicas. Para o ministro, trata-se de conduta que visou ocultar o vínculo familiar entre investigador e investigado — inclusive bem-sucedida.
A suspeição de autoridades policiais está prevista no artigo 107 do Código de Processo Penal. A norma prevê que ela não pode ser oposta por outras pessoas, mas que os próprios policiais devem declara-la, quando houver motivo.
A ambiguidade do texto legal é alvo de críticas pela doutrina, que identifica como solução possível ao réu buscar, na esfera administrativa, o afastamento da autoridade suspeita. No caso julgado, isso não foi possível porque o acusado não tinha conhecimento dos fatos referentes ao pai do investigador.
O problema é que essa situação, por si só, não basta para anular a condenação. Isso porque a possíveis irregularidades no inquérito não afetam a ação penal, pois serve para colher elementos informativos para subsidiar a denúncia. É na ação que se instaura o contraditório.
Logo, o descumprimento da regra que determina às próprias autoridades policiais declarar suspeição em inquérito só gera nulidade da condenação se a defesa comprovar o prejuízo suportado. Para o ministro Ribeiro Dantas, esse fim não foi alcançado no caso concreto.
Prejuízo inexistente
Isso porque, dentre as ações da qual o delegado suspeito participou, apenas as interceptações telefônicas foram usadas na condenação do réu, cujo conteúdo ou seus efeitos não foram questionados em momento algum, sequer no pedido de revisão criminal.
Além disso, a inocência ou culpabilidade do réu não depende da apuração sobre o possível crime cometido pelo pai do investigador – ao menos, a defesa falhou em demonstrar que haveria essa relação. A alegação de que o réu foi incriminado para inocentar o pai do investigador foi considerada genérica.
“A alegação genérica de presunção de prejuízo não atende a tal standard argumentativo, tendo em vista que, na forma do entendimento jurisprudencial acima referenciado, a suspeição da autoridade policial não é causa de nulidade do processo judicial. A admissão da revisão criminal exigiria, nesse cenário, prova — ou pelo menos a especificação, na petição inicial — da consequência prática que a suspeição causou em desfavor do réu”, disse o ministro.
O acórdão ainda determina o envio do processo ao Corregedor-Geral da Polícia Civil de Rondônia, à Corregedoria-Geral do Ministério Público local e à Corregedoria Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público, para que tomem ciência das condutas dos delegados de polícia e dos promotores de justiça que participaram do caso.
O julgamento na 5ª Turma foi resolvido por unanimidade, conforme o voto do relator. Votaram com ele os ministros Joel Ilan Paciornik e João Otávio de Noronha, e o desembargador convocado Jesuíno Rissato. Ausente, justificadamente, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
REsp 1.942.942