Fonte: Conjur
Em sede sancionadora, é absolutamente inviável o cumprimento de pena sem prévia determinação legal. Por isso, não é possível usar a similaridade dos conceitos de final de semana e feriado para ampliar as restrições a locomoção de um réu, já fixadas em sentença.
Com esse entendimento, o ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça, deu provimento a um recurso especial para afastar a obrigação de recolhimento domiciliar integral nos feriados fixada pelo juízo da execução, uma vez que a sentença se limita a determina-la aos finais de semana.
O réu foi investigado no âmbito da chamada operação “carne fraca”, contra frigoríficos brasileiros e fiscais agropecuários. Ele fechou acordo de delação premiada, em que ficou acordado com o Ministério Público Federal o formato do cumprimento da sentença, com progressão ao regime semiaberto diferenciado.
Assim, ele usaria tornozeleira eletrônica por dois anos, com recolhimento em sua residência no período noturno compreendido entre as 22h e as 6h, e nos fins de semana. O acordo foi confirmado em sentença, que transitou em julgado.
No cumprimento de sentença, o juízo da execução decidiu complementar a punição com a obrigação de ficar em casa também durante feriados. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a decisão por entender que o cumprimento da pena é a regra, e os benefícios previstos em acordos de colaboração são a exceção.
Logo, os termos do acordo deveriam ser interpretados de forma que as sanções previstas, ainda que menos graves do que o recolhimento à prisão, sejam, de alguma forma, executáveis. A defesa, feita pelos advogados Tracy Reinaldet, Matteus Macedo e Giovanni Diniz Machado da Silva, levou o caso ao STJ.
Para o ministro Ribeiro Dantas, o posicionamento da Justiça Federal paranaense no caso configurou verdadeira analogia in malam partem (para prejudicar o réu), vedada na jurisprudência brasileira. A inclusão de “feriado” ao lado de “final de semana” como antítese de “dias úteis” só serviu para aumentar as restrições ao condenado.
“A mera necessidade de realizar esse raciocínio analógico, na verdade, já demonstra sua fragilidade. Em sede sancionadora, é absolutamente inviável o cumprimento de pena sem prévia cominação legal — ou, no presente caso, sem a anterior previsão no acordo de colaboração —, nos termos do art. 1º do CP, sendo inadmissível a complementação de eventual deficiência da redação do ajuste, quando já homologado por decisão transitada em julgado, a fim de agravar a posição do apenado”, apontou o ministro.
Para Ribeiro Dantas, além da analogia indevida, a decisão do TRF-4 viola a eficácia preclusiva da coisa julgada, pois o acordo com o MPF foi objeto de decisão transitada em julgado; e a própria boa-fé objetiva, considerando que uma das partes do acordo pretendeu surpreender a outra, após sua celebração e homologação, com regra antes não prevista.
“A confiança legitimamente investida pelo colaborador no aparato estatal restaria, deste modo, completamente frustrada, em detrimento até mesmo da credibilidade do instituto da colaboração premiada”, concluiu o ministro.
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REsp 1.927.325