Conforme a jurisprudência brasileira, são ilegais as provas decorrentes do acesso a mensagens do WhatsApp sem autorização judicial. No entanto, nada impede que, reconhecida essa ilegalidade, o juiz decida de modo fundamentado acerca da perícia, com acesso às informações, que poderão embasar ação penal.
Com esse entendimento, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou improcedente a reclamação de um réu que foi processado por tráfico de drogas com base em mensagens acessadas em seu celular sem autorização judicial, no momento em que foi parado por uma blitz policial.
Com ele, foi encontrada pequena quantidade de droga. Sem autorização, os policiais que o abordaram checaram as conversas de Whatsapp no celular dele e encontraram indícios de venda de entorpecentes.
Em 2018, a 6ª Turma do STJ julgou o caso e declarou as provas ilegais. A ordem foi para determinar ao juízo de primeiro grau que desentranhe dos autos tal elemento probatório, bem como aqueles dele derivados, e renove o julgamento do caso, sem considerar a prova nula.
Ao cumprir a ordem, o magistrado apontou que as provas são repetíveis e entendeu que seria possível sua reelaboração de acordo com todos os predicados legais. Assim, reabriu a instrução criminal e permitiu ao Ministério Público solicitar laudo pericial do celular.
A defesa ajuizou a reclamação apontando descumprimento da ordem de HC da 6ª Turma. Para a 3ª Seção, de forma unânime, isso não aconteceu. Relator, o ministro Rogerio Schietti destacou que, ao reconhecer a ilegalidade de uma prova, “é razoável e até recomendável” que se oportunize à defesa e ao MP acesso aos autos para que possam avaliar qual diretriz será tomada.
Se nesse momento o órgão acusador entender que a fonte em que foi colhida a prova de forma ilegal está preservada — no caso, o telefone apreendido —, então ela é considerada repetível e não há empecilho para renovação dos atos processuais.
Pode renovar
Ao analisar o caso, o ministro Schietti reconheceu que, em um exame superficial, poder-se-ia concluir que os procedimentos adotados pelo juízo de piso seriam uma forma de burlar a decisão do STJ, pois a ordem de HC não abriu brecha para pedido de renovação do procedimento de colheita da prova.
“Entretanto, esse raciocínio não traduz a complexidade da discussão jurídica que subjaz ao caso concreto, sobretudo porque há situações em que não há empecilho para renovação dos atos processuais”, apontou.
O voto aponta que o acesso a mensagens do WhatsApp sem autorização judicial é violação de uma garantia fundamental e, portanto, a sua utilização tem a natureza de prova ilícita. No entanto, nas hipóteses em que for possível a repetição do ato processual viciado, haverá a alternativa de sua depuração ou descontaminação.
“Nessa perspectiva, não há empecilho a que o Magistrado, instado pelo Ministério Público, decida de modo fundamentado acerca da possibilidade de realização de perícia, com acesso às conversas armazenadas no WhatsApp, sem que isso represente afronta à autoridade da decisão desta Corte”, concluiu.
Processo totalmente nulo
O julgamento teve pequena divergência referente à possibilidade de o magistrado reabrir a fase de instrução processual no mesmo processo ou a necessidade de este ser anulado desde o início.
O relator apontou que o crime de tráfico de drogas só foi descoberto por conta do acesso ilegal às mensagens de WhatsApp. Até então, o réu era suspeito de posse de drogas para consumo próprio.
“Logo, a descoberta do crime de tráfico se deu exclusivamente com base em prova considerada ilícita, visto que não havia autorização judicial para acesso às conversas de WhatsApp. A partir daí, por derivação, todas as provas produzidas devem ser consideradas imprestáveis”, disse.
Por isso, deu ordem de ofício para reconhecer a nulidade total do processo, “sem prejuízo de que, realizada perícia sobre o aparelho, desta feita devidamente autorizada, se permita nova denúncia e o deflagrar de nova ação penal”.
Votaram com ele os ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Antonio Saldanha Palheiro, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha e Sebastião Reis Júnior. Ficou vencido o ministro Ribeiro Dantas, acompanhado do ministro Felix Fischer. Para ambos, o processo não precisaria recomeçar do zero.
A divergência destacou que, após a decisão da 6ª Turma, restaram como prova a prisão em flagrante e o celular apreendido. Assim, configura-se hipótese da teoria da descoberta inevitável, segundo a qual a prova — o acesso às mensagens — seria produzida de qualquer jeito.
“É possível compreender também que aquela mácula processual (devassa sem autorização judicial) é perfeitamente expurgada com a eliminação da prova dela decorrente e a realização de nova perícia, devidamente autorizada pela autoridade judicial, no aparelho apreendido licitamente. Poder-se-ia cogitar também da aplicação da teoria da mancha purgada”, disse.