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A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à concretização de direitos fundamentais não viola o princípio da separação dos poderes quando há deficiência grave ou ausência do serviço. E as decisões judiciais devem apontar finalidades e determinar à administração pública a apresentação de um plano ou os meios adequados para alcançá-las.

Tais teses de repercussão geral foram fixadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em julgamento virtual encerrado na última sexta-feira (30/6).

O colegiado ainda exemplificou como essa intervenção pode acontecer no caso de serviços de saúde, que eram o tema central da análise. O déficit de profissionais pode ser corrigido por concurso público ou pelo remanejamento de recursos humanos e pela contratação de organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público.

O julgamento teve origem em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro no intuito de obrigar a prefeitura da capital fluminense a aparelhar um hospital municipal e contratar pessoal para o corpo técnico.

O pedido foi negado em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça do Rio determinou o preenchimento de cargos, com nomeação e posse dos profissionais aprovados em concurso, além da correção de outras irregularidades apontadas em um relatório do Conselho Regional de Medicina.

Em seguida, a prefeitura alegou ao Supremo que a competência para tomar tais medidas é exclusiva do Executivo, com necessidade de autorização orçamentária.

Impondo limites
O voto vencedor foi o do ministro Luís Roberto Barroso. Ele lembrou que o STF tem admitido a intervenção do Judiciário para implementação de políticas públicas “em situações excepcionais, quando comprovada a inércia ou morosidade do ente público, como medida assecuratória de direitos fundamentais”.

O magistrado estabeleceu algumas diretrizes a serem seguidas nessas situações. Ele ressaltou, por exemplo, que é preciso comprovar a ausência ou grave deficiência do serviço, fruto de inércia ou demora excessiva do poder público.

“Falhas estruturais geradas pelo vazio ou pela inefetividade de políticas públicas para o atendimento de determinado direito fundamental fazem com que a atuação do Judiciário seja necessária, em especial se estiver em jogo o mínimo existencial”, apontou Barroso.

Outro ponto destacado foi a necessidade de se considerar os recursos públicos existentes, já que eles não são infinitos. “Decisões judiciais casuísticas, que determinam a adoção de diversas melhorias em hospital específico e se distanciam de uma visão sistêmica sobre a matéria, acabam por contribuir para a desorganização da administração pública, comprometendo a eficiência administrativa no atendimento ao cidadão e impedindo a otimização das possibilidades estatais no que toca à promoção da saúde pública”, assinalou o ministro.

Além disso, o julgador deve determinar a finalidade a ser atingida, mas não o modo como ela precisa ser alcançada. Os meios de correção do problema estrutural identificado pelo Judiciário devem ser escolhidos pelo Executivo, como forma de preservar “o espaço de discricionariedade do mérito administrativo”. Para isso, deve ser apresentado um plano de cumprimento da meta fixada — que pode ser avaliado e fiscalizado pela Justiça ou por algum delegado.

Barroso ainda explicou que a decisão judicial deve se basear em documentos ou manifestações de órgãos técnicos. Por fim, ele recomendou a participação de terceiros no processo sempre que possível, a partir da admissão de amici curiae e designação de audiências públicas, para garantir um auxílio na tomada de decisões.

No caso concreto, o magistrado entendeu que as providências determinadas pelo TJ-RJ não estavam alinhadas com os parâmetros de sua tese. Isso porque o tribunal estadual não se limitou a indicar a finalidade e interferiu “fortemente no mérito administrativo”. Por isso, ele votou por anular o acórdão e determinar o retorno dos autos à origem, para novo exame.

O voto de Barroso foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, André Mendonça, Luiz Fux, Kassio Nunes Marques, Cármen Lúcia e Rosa Weber, presidente da corte.

Votos vencidos
O ministro Alexandre de Moraes propôs uma tese diferente. Para ele, o Judiciário não pode ordenar a promoção de concurso público para contratação de servidores atuantes em hospitais ou outras medidas administrativas, pois isso violaria a separação dos poderes e as regras orçamentárias.

Ainda assim, o magistrado validou a intervenção “excepcional” do Judiciário em políticas públicas “quando ficar bem evidenciada a desídia do administrador em dar cumprimentos a direitos fundamentais”. No caso concreto, ele também afastou o entendimento do TJ-RJ e restabeleceu a sentença que havia negado o pedido do MP.

Já o relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski (já aposentado), ateve-se mais ao caso concreto e sugeriu a tese de que o Judiciário pode obrigar a administração pública a promover concurso público para preencher cargos de hospitais e determinar a correção de procedimentos. Por isso, validou o acórdão do TJ-RJ. Ele foi acompanhado pelo ministro Edson Fachin.

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RE 684.612

Histórico
A corte discutiu os limites da competência do Judiciário para determinar obrigações ao Estado, como promoção de concursos públicos, contratação de servidores e execução de obras para atendimento do direito à saúde.