Aplicando a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de que é ilegal a sentença de pronúncia baseada exclusivamente em informações coletadas na fase extrajudicial, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, reposicionou seu entendimento e concedeu habeas corpus em favor de réu que havia sido mandado a júri popular tão somente em razão de provas produzidas durante o inquérito policial. Além de despronunciar o réu, o colegiado revogou sua prisão preventiva.
Segundo o relator do caso, ministro Sebastião Reis Júnior, a sentença de pronúncia com base apenas em provas do inquérito é ilegítima, pois acaba se igualando à decisão de recebimento da denúncia.
De acordo com o magistrado, apesar de muitas decisões do STJ terem admitido a pronúncia do acusado com base em indícios derivados do inquérito, sem considerar que tal posição afrontasse o artigo 155 do Código de Processo Penal (CPP), outros julgados mais antigos da corte não aceitavam o juízo positivo de pronúncia sem apoio em prova produzida sob o crivo judicial.
Filtro
O relator explicou que o STF, no julgamento do HC 180.144, consolidou o entendimento de que a primeira fase do procedimento do tribunal do júri constitui filtro processual com a função de evitar a submissão do réu aos jurados quando não houver prova de materialidade e indícios de autoria.
Em seu voto sobre aquele caso, o ministro do STF Celso de Mello, recentemente aposentado, lembrou que todas as regras estabelecidas pelos artigos 406 a 421 do CPP disciplinam a produção de provas destinadas a embasar a conclusão judicial na primeira fase do procedimento do tribunal do júri.
“Trata-se de arranjo legal que busca evitar a submissão dos acusados ao conselho de sentença de forma temerária”, avaliou Sebastião Reis Júnior, para quem tais exigências legais não teriam razão de ser caso se admitisse como suficiente o inquérito policial.
Presunção de inocência
Ele observou ainda que a posição do STF decorre do entendimento de que, após a Constituição de 1988, não há mais amparo constitucional e legal para a regra in dubio pro societate, segundo a qual, na decisão sobre a pronúncia, eventual dúvida quanto à autoria deveria pesar em favor do interesse social na apuração do crime.
Por sua vez, comentou Sebastião Reis Júnior, o princípio da presunção de inocência, consagrado na Constituição, impõe ao Ministério Público, como órgão acusador, a responsabilidade de comprovar suas alegações em todas as fases e procedimentos do processo penal. Outros dois princípios – o contraditório e a ampla defesa –, até como meio de sua concretização, impedem, segundo o relator, que a sentença de pronúncia tenha por base exclusiva provas não confirmadas na fase judicial.
Mais rigor
O ministro do STJ destacou ainda que os julgamentos proferidos pelo tribunal do júri possuem peculiaridades que estão em permanente discussão no Judiciário a respeito da possibilidade de revisão das decisões de mérito e da extensão dessa revisão, o que torna “mais acertado exigir maior rigor na fase de pronúncia”.
Ao conceder o habeas corpus, o relator apontou que a própria sentença, no caso sob análise, admitiu que os depoimentos considerados como prova não foram repetidos em juízo, sendo, assim, necessário despronunciar o paciente e revogar a prisão preventiva, sem prejuízo da possibilidade de apresentação de futura denúncia com base em novos elementos, como previsto no artigo 414 do CPP.
“Objetivando reposicionar o entendimento desta Sexta Turma, entendo que é ilegal a sentença de pronúncia com base exclusiva em provas produzidas no inquérito, nos termos do artigo 155 do Código de Processo Penal”, concluiu o magistrado.